"Há que acolher as ideias inovadoras e apoiar as micro e pequenas empresas"

Paula Silva, proprietária da Figueirinha Ecoturismo, gostaria "de ter um serviço público e uma classe política verdadeiramente interessada e empenhada em fazer algo pelo bem comum.
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Precisamos de um caminho, de uma visão, de abraçar as ideias progressistas, de não nos deixarmos manietar por burocratas. Precisamos de uma ideia de futuro, saber naquilo em que somos mesmo bons e investir. Investir no turismo porque somos excelentes a receber, investir nas coisas que nos tornam únicos como a cortiça, o azeite, a arquitetura." Paula Silva tem um sorriso provocador que prende a atenção. O seu olhar não para, sempre à procura do que está por fazer ou melhorar, e as mãos obedecem como se estarem paradas fosse imoral. O seu dia-a-dia começa cedo - demasiado cedo, para quem gostava de dormir até tarde - e divide-se entre tratar das reservas, receber os hóspedes, preparar os quartos, cozinhar, servir pequenos-almoços e jantares, tratar da horta, das duas cadelas e duas gatas e às vezes, quando sobra um pouco de tempo, dedica-se à escrita. Ela e o marido, Alexandre Coutinho, são os proprietários da Figueirinha Ecoturismo -Herdade da Figueirinha dos Condados -, uma propriedade de turismo rural, situada no meio de quase nada do concelho de Odemira, próxima das praias da costa alentejana, mas ao mesmo tempo longe o suficiente do desassossego, da confusão da vida urbana, que foi, afinal, a sua vida até há meia dúzia de anos. Os dois foram jornalistas - aquela profissão que segundo um estudo recente foi considerada a pior do mundo na atualidade, contabilizando fatores como o stress, o salário, o risco de desemprego - e agora convidam quem quer fugir da agitação a aproveitar a cama de rede, a piscina biológica dos nenúfares, a sinfonia desafinada das rãs, os produtos da horta e o céu onde as estrelas parecem não ter fim.

Compraram o monte em 1996. Começou por ser um projeto de férias mas já com a ideia de um dia se tornar um espaço de turismo rural. "Durante 14 anos - o tempo de cimentar a ideia e concretizá-la - treinámos com os amigos aquilo que fazemos hoje com os nossos hóspedes: receber tão bem as pessoas que lhes seja difícil ir embora na hora de partir", conta Paula, de 50 anos, que teve um percurso profissional ligado aos jornais Público, A Bola e às revistas Auto Foco e Sirius. Sem a frequência diária, ainda hoje escreve, porque, com o marido, tem uma pequena editora, Contra a Corrente, que constitui o seu segundo negócio.

A Figueirinha foi aberta ao turismo em 2011. O que implicou uma mudança radical de vida. "foi a passagem da cidade para o campo, o trabalhar por conta própria sete dias por semana, 16 a 18 horas por dia. É duro, recompensador e ao mesmo tempo assustador, sobretudo na questão financeira de nunca se saber se o dinheiro vai chegar, se o negócio é ou não sustentável".

O espaço, com grande procura, sobretudo no verão, é constituído por uma casa de campo, dois quartos duplos, um quarto familiar, duas tendas de glamping e uma tenda suspensa. Já no que se refere ao conceito baseia-se no "respeito pela natureza, a vida o mais sustentável possível sem abdicar dos luxos básicos como tomar banho de água quente, ter internet". Para isso tem painéis solares e baterias como única fonte de energia elétrica e de aquecimento de águas e uma piscina biológica, onde rãs e hóspedes tentam conviver em harmonia.

A burocracia foi a principal dificuldade que Paula enfrentou para concretizar a sua ideia: "As câmaras municipais exigem um sem-número de papéis e o processo arrasta-se pelos corredores e gabinetes das autarquias a ponto de levar um santo ao desespero. No nosso caso, a reconstrução de uma ruína que já estava inscrita na caderneta demorou dois anos a ser aprovada."

E é talvez influenciada pelas dificuldades que sentiu quando se lançou no turismo rural que Paula formula o seu desejo para o país. "Gostava de ter um serviço público e uma classe política verdadeiramente interessada e empenhada em fazer algo pelo bem comum. Só assim, quando nos dirigíssemos a câmaras, tribunais, hospitais e outros serviços é que encontraríamos interlocutores que se preocupariam em encontrar uma solução para as questões que são colocadas em vez de descartarem os problemas dos outros como se de pragas se tratasse."

Considera que para melhorar o país e a economia - "está melhor mas ainda muito fragilizada, estamos a tentar manter a cabeça à tona de água ainda sem saber se estamos salvos ou se voltamos a afogar-nos" - também é necessário ajudar as micro e pequenas empresas a crescer, em vez de as "sobrecarregar com impostos ou com legislação que as impedem de inovar". E explica: "No setor do turismo ter uma oferta de alojamento variada e única parece algo vindo de outra galáxia. Ou somos parque de campismo e aí podemos ter tendas e glamping, ou somos casa de campo e já não podemos ser glamping." É por situações como esta que o tal stress que Paula conheceu na "vida urbana" lá surge, de vez em quando, na Figueirinha para tomar conta do seu discurso.

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