Há novos vizinhos na Avenida mais cara da capital

Primeiro vieram as marcas de topo, depois os apartamentos de luxo. Muitos dos que aqui compraram casa são estrangeiros
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Não passa uma semana sem que Ana Soarez, que tem um café no prédio da Rua do Salitre onde a mãe vive desde 1960, a poucos metros de onde se abre para a Avenida da Liberdade, receba propostas de imobiliárias que querem comprar o prédio. É negócio garantido: há estrangeiros interessados. "Agora há muitos franceses", diz. Também alguns brasileiros. Gostam de zonas com história - ao contrário dos chineses, que preferem prédios a estrear. Os preços não são para todos: um T1 duplex, por exemplo, pode chegar a custar quase um milhão de euros.

Quem os procura? São médicos e engenheiros com mais de 40 anos e, embora normalmente se mudem para Lisboa em família, também há quem viva sozinho. Muitos chegaram aqui de férias, foram conhecendo, repetiram a experiência e acabaram à procura de casa numa zona onde hoje vivem pouco mais de 25 pessoas. E onde têm como vizinhos as melhores marcas do mundo. À imagem dos principais bairros de compras europeus, nos últimos anos a Avenida da Liberdade foi crescendo com bons hotéis e restaurantes e lojas como a Cartier, a Gucci, a Louis Vuitton, a Prada, a Michael Kors, a Porsche. Com um valor médio de compras superior a mil euros, outras marcas estão só à espera de uma oportunidade para entrar na lista. A próxima inauguração, marcada para março, é a da Loja das Meias, que investiu 1 milhão de euros para descer um quarteirão (estava na Rua Castilho desde 1971).

Este movimento agrada aos novos moradores e aos candidatos a ter uma casa na rua mais cara de Lisboa - portugueses com poder de compra e estrangeiros, adianta Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António, que conhece o perfil dos que ali têm sido atraídos. Entre os estrangeiros, o regime fiscal mais vantajoso para residentes não habituais, previsto na lei portuguesa, e o programa de vistos gold - que permite obter um visto de residência fazendo um investimento imobiliário de pelo menos 500 mil euros - ajudam a dar o passo para a compra de casa. Mas o argumento principal é mesmo a qualidade dos apartamentos.

O mote para o renascimento da avenida que já foi Passeio Público foi dado em 2014 pelo Opera Lx, mesmo ao lado do Teatro Tivoli e agraciado, no ano passado, com o prémio SIL de reabilitação urbana para grandes intervenções destinadas a habitação. Construído no século XIX, com uma frente para a avenida e outra para a Rua Rodrigues Sampaio - um pátio interior a uni-las -, a maior casa ali disponível (um T3+1 com 171 m2, varanda de 4 m2, arrecadação de 6 m2 e dois lugares de estacionamento) custava então 1,7 milhões de euros. Quem comprou, Rui Pereira da Silva, diretor-geral da agência imobiliária que o tinha em catálogo, não revela. Mas confirma que "a revitalização desta zona começou em 2014 com a comercialização do Opera Lx, cujas vendas já terminaram". Foi também à Cobertura que coube vender o Liberdade 238, onde Cristiano Ronaldo terá comprado uma casa por mais de dois milhões de euros. Agora, Rui Pereira tem em mãos a promoção do Liberdade 71 e do Liberdade 203. Os dois prédios de luxo estão ainda em construção, mas são já "verdadeiros fenómenos de sucesso".

Com vista para a Avenida da Liberdade e para a Praça da Alegria, no Liberdade 71 há casas para todos os gostos - de um a cinco quartos, com áreas entre os 80 m2 e os 380 m2. Dos 17 apartamentos à venda no site da Cobertura no prédio, que tem piscina no topo, apenas quatro não estão ainda reservados: um T1 de 575 mil euros; outro um pouco maior por 640 mil; um T3 com 222 m2, por 1,7 milhões; e um segundo de 232 m2, por 1,8 milhões. A cobertura, no 7.º andar - quatro suites, terraço com 29 m2 e uma área total de 371 m2 -, já tem comprador.

O cenário é semelhante no Liberdade 203, que deverá estar concluído no final deste ano: surgirá na esquina entre a avenida e a Rua Rosa Araújo, com 44 apartamentos (T1 a T4 duplex) e áreas entre os 90 m2 e os 278 m2. Dos 11 que estão disponíveis no site da Cobertura, cinco estão já reservados. Os preços começam nos 997 500 e chegam aos 1,575 milhões de euros.

"A localização [é] de excelência, pois encontram-se próximos de alguns dos principais bairros históricos e na melhor e mais conceituada zona de comércio de luxo da cidade", salienta Rui Pereira da Silva. O responsável destaca ainda o facto de estes empreendimentos serem "igualmente atrativos por se tratar de reabilitações de edifícios antigos, reconstruindo ou recuperando elementos históricos e clássicos da época", como as fachadas e os tetos trabalhados. Características que os estrangeiros valorizam.

Ricardo Sousa, administrador da Century 21, também acredita que a localização é o que mais atrai quem procura uma casa em Portugal. E recentemente, um outro fator de peso: a segurança que aqui sentem, numa altura em que a ameaça terrorista se alastrou quer a destinos de férias tradicionais quer às principais capitais europeias.

"Franceses e brasileiros gostam sobretudo da zona histórica", confirma Ricardo Sousa, explicando que os sul-americanos trazem tudo tratado para comprar casa. Com os europeus o processo é diferente: voltam umas semanas depois das férias para fechar o negócio. Habitualmente, são seniores - não necessariamente reformados - e compram T1 e T2, aproveitando os benefícios fiscais e a estabilidade que o Magrebe, onde tradicionalmente investiam, deixou de oferecer.

Os vistos gold e o Regime Fiscal de Residentes Não Habituais, "em conjunto com a promoção de Portugal enquanto destino de férias, de investimento ou de residência, têm sido muito importantes para que o mercado imobiliário português neste segmento tenha tido uma alavancagem positiva", garante ainda Rui Pereira da Silva.

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