"Há muitos setores e atividades profissionais ainda assumidos como 'trabalho de homem'"

Nathalie Risacher, responsável da Natixis em Portugal, tem vindo a dedicar-se ao tema da inclusão das mulheres nas áreas tecnológicas. Mulher, mãe e executiva, revela ao DN em que consiste o novo o projeto de responsabilidade da empresa, que visa estimular a presença feminina na área.
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Depois de uma década a viver nos EUA, Nathalie Risacher mudou-se para o Porto, em 2017, para assumir as funções de "senior country manager" da Natixis em Portugal. É do Centro de Excelência instalado na cidade que o banco de investimento presta apoio tecnológico aos serviços que tem espalhados por todo o mundo. Agora, a empresa prepara-se para lançar um projeto - o Champion for Change -, que pretende mostrar às mulheres que as Tecnologias de Informação são uma opção para o sexo feminino. Ao DN, Nathalie conta o espera fazer para ajudar a promover a diversidade de género na área.

A Natixis lança esta sexta-feira o programa Champion for Change em Portugal. Em que consiste?

O Champion for Change é uma das principais iniciativas da Natixis na estratégia de Responsabilidade Ambiental e Social de Portugal. O nosso planeamento da primeira etapa abarca 2019, mas queremos que seja de longo prazo, com novas atividades a serem desenvolvidas num esforço continuado. Este programa visa estimular e promover a presença e o trabalho das mulheres no mundo da tecnologia, reforçando a mensagem de que as áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, em inglês) não são um monopólio de um só género e devem ser seguidas por mulheres e homens, com as mesmas oportunidades. É, acima de tudo, um apelo à responsabilidade. Acreditamos ser nosso dever tomar todas as medidas possíveis para promover a inclusão e a diversidade, apoiando iniciativas que tenham um impacto positivo na nossa sociedade. O futuro está em jogo e precisamos de agir coletivamente. É por isso que queremos trabalhar com escolas, pais, empresas, governo e outras instituições. Queremos impactar o nosso ambiente externo apresentando histórias e experiências de mulheres no cenário tecnológico como uma forma de sensibilizar outras mulheres, envolver novas gerações e estabelecer uma mentalidade que não limite ou refreie a presença em qualquer campo com base no género.

Qual o vosso público-alvo?

O Champion for Change baseia-se numa forte interação com escolas, universidades, comunidades tecnológicas e influências, incluindo atividades internas e externas com as comunidades-alvo: alunas do 7º ao 9º ano, estudantes universitárias finalistas, mulheres recém-formadas em tecnologia e outras influenciadoras. Esse espírito de rede permitirá que as mulheres aprendam umas com as outras, criem oportunidades e ajudem a promover uma comunidade inclusiva e relevante.

Quais são as atividades que vão ser desenvolvidas?

As atividades incluem, por exemplo, entrevistas, reuniões, orientação e encontros. Criámos, por exemplo, o conceito de "Close up com Nathalie Risacher". Esta será uma conversa informal comigo e com outras mulheres líderes. A primeira será na sexta-feira, com Ana Lehmann, economista e professora. Vamos partilhar as nossas histórias para falar sobre carreira, oportunidades e novos caminhos. Criámos esse formato porque as evidências mostram que todos reagimos a exemplos, a modelos. Contando a sua história, aquelas que fizeram um caminho antes de nós podem mostrar como isso pode ser feito e, mais importante, podem provar que isso pode ser feito. Partilhar essas histórias com raparigas e jovens mulheres pode ter um impacto transformador e promover uma mudança na sua perceção e atitude. Em relação às sessões de orientação: as jovens mulheres poderão participar em sessões com os profissionais da Natixis para discutir metas e trajetórias profissionais. Eles irão aconselhar sobre como planear a carreira, desenvolver capacidades e oportunidades para superar alguns dos problemas que impedem as mulheres de avançar. Para os alunos entre o 7º e o 9º anos (especialmente meninas), desenvolvemos um "dia aberto", com o objetivo de mostrar que a tecnologia (e as suas ferramentas) pode ser divertida, envolvente e colaborativa. Além disso, teremos uma iniciativa - o "shadow day" -, que será uma oportunidade para interagir com os profissionais da Natixis e aprender sobre o seu dia-a-dia, novas oportunidades de carreira e novas áreas de desenvolvimento.

Como avalia a presença feminina na área das Tecnologias de Informação?

Em todo o mundo, as taxas de participação feminina na tecnologia variam significativamente, assim como as disparidades salariais entre homens e mulheres. De acordo com um estudo da Honeypot em 41 países da OCDE e da UE, a Suíça, por exemplo, é considerada o país com mais igualdade de género. Dinamarca, Holanda, Suécia, Islândia, Noruega, Eslovénia, Finlândia, Alemanha e Coreia do Sul alcançaram o top 10, por esta ordem. O Reino Unido ficou em 27º lugar, depois da República Checa, e os Estados Unidos ficaram em 34º, depois da Letónia. Este estudo também concluiu que, em relação aos países que mais têm para oferecer às mulheres que procuram progredir na indústria de tecnologia, Portugal, Estados Unidos e Letónia destacaram-se como as três principais nações que deram passos positivos em direção à paridade de género no campo tecnológico em termos de salários mais justos. No entanto, a pesquisa mostra que hoje, apenas 33% dos funcionários da indústria digital são mulheres, 75% das quais estão em funções de apoio (RH, administração, marketing, comunicação). Menos de 10% das startups de tecnologia são fundadas por mulheres. Este estudo também mostra que a revolução digital em curso eliminará metade dos empregos atuais, na sua maioria ocupados por mulheres. Se a paridade nos setores digitais continuar a deteriorar-se, se não agirmos, há um risco real de aumento da marginalização das mulheres.

Como se reflete a diversidade de género nos resultados das empresas?

Acreditamos que investir em diversidade e inclusão é fundamental para estratégias de diferenciação relevantes. Em primeiro lugar, a diversidade é a única maneira de garantir a criatividade e criatividade é igual a um ótimo desempenho. A inclusão promove a justiça, o crescimento sustentável (para empresas, mas também para os países) e uma sociedade mais colaborativa.

Quais as medidas que devem ser tomadas para aumentar a presença de mulheres nesta área?

Acreditamos que o primeiro passo é a verdadeira consciencialização: precisamos de mostrar às mulheres que as tecnologias de informação são uma opção; que as áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática são voltadas tanto para mulheres quanto para homens, com oportunidades iguais. Como eu disse acima, este é um problema coletivo e precisa de uma resposta coletiva - é responsabilidade de todos. Dos pais que estão a criar os seus filhos até aos professores que os inspiram na escola, todos os dias; dos empregadores que contratam e desenvolvem o seu pessoal até às autoridades oficiais que trabalham nos governos.

Quantas mulheres trabalham na Natixis? E quantos homens?

Quase 100 mulheres e 400 homens. O cenário é bastante semelhante ao de todas as empresas de TI em Portugal e no mundo. É realmente difícil encontrar profissionais do sexo feminino neste campo. Estamos todos a enfrentar os mesmos desafios, mas deixe-me dizer-lhe que a Natixis não trabalha com quotas. Contratamos grandes profissionais e não profissionais do sexo masculino ou feminino.

Considera que mulheres ainda são discriminadas porque são mulheres?

Eu não acredito que estejamos a falar de discriminação real. O que é claramente visível é um forte preconceito inconsciente em relação à diversidade de género, e superar essa barreira levará muito mais tempo. Há muitos setores e atividades profissionais ainda assumidos como "trabalho de homem" e, na maioria das vezes, as mulheres são as primeiras a excluírem-se a si próprias dessas áreas. Ou ainda pior, a excluírem-se de posições de liderança. É por isso que precisamos de nos unir todos e lutar coletivamente por perspetivas naturalmente claras, livres de preconceitos, tanto para homens como para mulheres.

É fundadora da iniciativa WINN - Women In Natixis Network (Mulheres na Rede Natixis), na qual se insere o Champion for Change. Que trabalho tem sido desenvolvido ao abrigo deste projeto?

A WINN foi originalmente fundada em Paris, em 2012, por duas funcionárias realmente focadas em defender esses tópicos. Ambas são grandes exemplos de liderança dentro da empresa, Nathalie Broutèle é diretora-geral da Natixis Insurances e Patricia Laurette-Laks é diretora-geral dos Assuntos Gerais da Inspeção-Geral e Auditoria da Natixis. Eu sou fundadora da primeira plataforma internacional da WINN, a Americas, baseada em Nova Iorque. Agora, a organização está presente em mais 6 países.

Em 2017, a Natixis instalou o seu Centro de Excelência no Porto. Qual é o saldo da atividade da empresa na cidade?

Fazemos um balanço muito positivo. Começámos este projeto do zero e, somente em dois anos, já contratámos 500 pessoas. O nosso objetivo é criar um total de 700 novos postos de trabalho qualificados nas áreas de TI até 2020. Do nosso Centro de Especialização em TI, no Porto, prestamos apoio tecnológico aos serviços do banco em todo o mundo, de forma integrada e transversal, em todos os países onde este opera. Estamos a trabalhar em algumas novas tecnologias para dar apoio aos negócios da Natixis em todo o mundo. Estamos a trabalhar em aprendizagem automática e soluções de big data para fornecer dados importantes e insights estratégicos para linhas de negócios de retalho e seguros. A robótica também é um compromisso inovador, com um incrível projeto de chatbot já em andamento.

O que motivou a escolha do Porto?

A Natixis viu a atratividade de Portugal como um ecossistema de empreendedorismo e inovação, com vantagens competitivas, não só nas perspetivas de infraestrutura e integração tecnológica, mas também do perfil de capital humano - graduado em universidades de topo, altamente qualificado em ciência e tecnologia, multilingue e com uma cultura profissional internacional. Existem várias razões que explicam a escolha do Porto. Por um lado, existe uma forte proximidade geográfica e cultural entre as cidades do Porto e Paris, onde a sede do banco está localizada. Por outro lado, a cidade tem características únicas que consideramos verdadeiramente benéficas para os nossos processos de internacionalização: um ecossistema inovador e empreendedor, um mercado de trabalho dinâmico e uma excelente infraestrutura, com instalações de última geração, que nos permitem oferecer aos nossos funcionários as melhores condições de trabalho e meio ambiente.

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