"Há muita gente no Algarve" para os de fora. "Está vazio" para quem lá vive

Sem as enchentes de outros anos, o Algarve recupera devagarinho o burburinho dos meses de verão. Neste ano, os visitantes, vêm de Portugal ou são emigrantes, também há alguns de Espanha. O DN falou com profissionais e turistas.
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O Algarve está bem e aconselha-se. Há a natureza, as praias e o bom tempo, sem que para usufruir de tudo isto se ande aos encontrões. Uma menor afluência, mas não desapareceram as filas e as esplanadas cheias. O que até se surpreende os forasteiros que esperavam encontrar os espaços mais vazios. Já os residentes e, sobretudo os comerciantes, lamentam a falta de pessoas e de clientes. Reconhecem, no entanto, que o turismo melhorou na segunda quinzena de julho, à custa dos portugueses, que fazem férias cá dentro ou que regressam dos países onde trabalham. Os estrangeiros chegam maioritariamente de Espanha, além de um ou outro país, até do Reino Unido. Viajam para Sevilha, completando o percurso de carro e, assim, evitam a quarentena obrigatória, exigida pelas autoridades inglesas a quem regressa de Portugal.

Em Portimão, o DN falou com um nadador salvador, um gestor hoteleiro, uma família de veraneantes e um vendedor na praia.

Nadador salvador

Diogo Ramalho volta e não volta está na praia da Rocha a tomar conta de quem pode correr perigo no mar. Tem 29 anos, sempre praticou natação, há dez que tirou o curso de nadador salvador. Iniciou a função na praia de Portimão, com passagem por outras praias. Em 2020 voltou à maior praia de Portimã..

Este ano poderá ter mais que fazer, porque são sobretudo portugueses os frequentadores da praia e diz que esses são mais difíceis de sensibilizar para os perigos do mar. Mais famílias e pessoas a partir dos 40 anos. "Os nacionais são os mais teimosos. Prevemos um ano complicado, também porque as pessoas estão mais debilitadas devido ao confinamento, nota-se que perderam ferramentas sociais", assegura o Diogo.

Os nadadores salvadores começaram este ano mais tarde devido à pandemia. Iniciaram a vigilância a 27 de maio na praia da Rocha, para saírem a 15 de outubro. "Em princípio, terminamos nessa data, mas há sempre a hipótese de as coisas piorarem a qualquer momento devido à covid-19". Diogo é o coordenador da equipa da praia da Rocha, 16 nadadores salvadores no total, entre as 09:30 e 10:30, todos os dias.

Conta que a praia este ano está mais calma, embora a afluência tenha aumentado bastante a partir da segunda quinzena de julho, quando a maioria dos estudantes portugueses entraram em férias. "Nota-se uma quebra em relação aos outros anos, mas está a compor-se, também já era altura. Tínhamos muitos estrangeiros, agora nota-se que há bastante menos. Vamos o mês de agosto, que é sempre o que tem mais gente", explica Diogo Ramalho. Manterá a vigilância enquanto houver calor e, quando não está junto ao mar, é bombeiro voluntário.

Família de Coimbra em férias

Piedade Tinoco, 68 anos, passa as férias pela primeira vez em Portimão. Normalmente, descansa nas termas de São Pedro do Sul, em Viseu, duas vezes por ano, uma em abril e outra em outubro. "Tenho duas hérnias discais e artrite reumatoide, tenho de fazer termas duas vezes por ano", explica. Com o estado de emergência, as termas fecharam durante três meses. Piedade espera manter a semana de outubro e, para já, vai à praia, dos Castelos, por ser calma.

Está acompanhada da neta, a Júlia de 9 anos, e do filho, o Nuno Tinoco, de 40. Vieram de Coimbra e os mais novos vão passar 15 dias no Alvor, onde já estiveram em outros anos e ficam com familiares. Os três chegaram no fim de semana de 18 de julho, com temperaturas acima dos 30 graus e a água do mar quente. "Há muita gente no Algarve, esperava que estivesse mais vazio. Nota-se que os portugueses aderiram mais este ano, estrangeiros é que são muito menos", observa o Nuno Tinoco, técnico de laboratório.

Haveria mais gente se não fosse a pandemia, ele estaria na Madeira, embora seja o mesmo país, obrigava-o a restrições pelas quais decidiu não passar. Também poderia estar no estrangeiro, viagens que faz com alguma frequência e que, este ano, estão em stand by. Fica-se pelas férias em família e cumprindo todas as regras de higiene e de prevenção da covid-19. É o Nuno que vai às compras e fazem mais refeições em casa. Férias com todas as precauções de segurança sanitária,e que a pequena Júlia sabe, embora por vezes se esqueçam sobretudo quando se come um gelado. "Não ponhas as mãos na boca", adverte o pai.

Diretor hoteleiro

Na primeira linha da praia são muitos os hotéis, a maioria unidades de classe superior. Em anos anteriores, os estrangeiros eram os principais clientes, turistas que compravam pacotes de férias, incluindo as viagens de avião. E as operações aéreas têm estado paradas., além de todas as restrições devidas a crie sanitária.

Albano Rosa é o diretor do Hotel Algarve Casino e dirige as operações do grupo Solverde, que inclui quatro hotéis, cinco casinos físico e um casino virtual. Está preocupado com a situação. "As coisas estão duríssimas, estamos a trabalhar na casa dos 30 % do habitual. Em Chaves, como é uma cidade do interior, estamos um bocadinho melhor, conseguimos atingir o pleno aos fins de semana e há uma boa procura durante a semana e, para agosto, também se prevê uma grande afluência de portugueses e emigrantes. Os hotéis do litoral estão com uma ocupação inferior, prevendo-se que atinjam 40 % a 60 % em agosto", explica Albano Rosa.

Mas não há certezas de nada, até porque as pessoas estão a marcar os quartos em cima da hora, no máximo com 48 horas de antecedência.

Albano diz que os clientes estão muito preocupados em serem infetados com o SARS-Cov-19. "Levantam-nos uma série de questões relativas às condições de segurança e de higiene, muitas dúvidas, o nosso maior inimigo é o medo. As pessoas não querem programar nada com antecedência, sabem que os hotéis não estão cheios. Mas, quando vêm, saem maravilhadas, encontram aqui uma tranquilidade que não têm em anos anteriores".

Baixaram os preços, criaram atrativos e os clientes acabam por passar a maior parte do tempo no hotel. Muitos portugueses, também espanhóis e um ou outro de outras nacionalidades, até alguns ingleses. Vêm de avião até Sevilha, uma vez que Espanha não está na lista negra do Reino Unido, seguem de carro para o Algarve. Antes da pandemia, eram mais os ingleses, irlandeses, alemães, holandeses, espanhóis, franceses e os espanhóis Os portugueses contribuíram com 30 a 40 % para a taxa de ocupação,

E depois das férias? "Tudo pode acontecer, sabemos que estamos a viver o verão e o mercado nacional acaba muito depressa, a 25 de setembro. Se não houver alternativa, vai ser a travessia do deserto. É uma grande incógnita. Não foram montadas operações aéreas e vivemos completamente de operações aéreas", teme Albano Rosa.

Vendedor de bolas de Berlim

Chama-se Manuel Padeiro e não é alcunha, apesar de vender bolas de Berlim na praia desde jovenzinho. Vende bolas, com ou sem creme, de alfarroba e com duas variedades de chocolate. Muitos dos 47 anos que tem, passou-os areal abaixo, areal acima da praia da Rocha. Faz biscates no resto do ano. A venda melhorou nas últimas duas semanas, ainda assim não tanto quanto gostaria.

"Está a mexer mais um bocadinho, mas estão muito menos pessoas na praia, isto está vazio. Espero que as coisas continuem a melhorar e que em agosto venda muito mais", lamenta-se Manuel Padeiro. O DN viu que a praia não estava assim tão vazia e no fim de semana havia muitos veraneantes. Não se queixa da falta dos estrangeiros, gostava era de ver mais gente na praia e a comprar . "Os meus clientes são os portugueses, os emigrantes. O estrangeiro gosta mais de cerveja".

Chega à praia às 10:00 e vai embora quando as duas caixas que transporta estão vazias. Num bom dia de negócio, enche-as três vezes, uma de manhã e duas à tarde. Este ano ainda não as reforçou mais de duas vezes. Ou seja, vendeu 120 bolas. Cada caixa leva 30 bolas. E aumentou o preço das bolas de Berlim no Algarve, de 1,20 para 1,50 euros. "O coronavírus veio aumentar tudo", desculpa-se.

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