Há mais vida além do plástico
É inegável o papel desempenhado pelo plástico nos últimos cem anos - na preservação de alimentos, no isolamento de edifícios, no desenvolvimento de equipamentos elétricos e eletrónicos ou ainda na melhoria da eficiência de infraestruturas e de meios de transporte. Mas são igualmente inegáveis os seus efeitos nefastos na poluição, na emissão de gases com efeito estufa, na geração de resíduos e na degradação da biodiversidade. Por outro lado, o progresso tecnológico proporcionou uma maior incorporação de resíduos como matéria-prima e até o desenvolvimento de novos materiais capazes de substituir os plásticos. Sendo que a maior consciencialização ambiental dos cidadãos e das empresas conferiu uma nova centralidade às políticas de gestão de resíduos.
Neste contexto, o conceito de economia circular - segundo o qual os resíduos deixam se ser considerados como desperdício e passam a constituir-se como recursos indispensáveis ao desenvolvimento de novos produtos - emergiu como aquele que melhor compatibiliza as dimensões económica, social e ambiental.
Qual é o estado da circularidade da economia? Esta foi a questão que o Relatório The Global Plastics Outlook - lançado nesta semana pelos meus colegas da direção de ambiente da OCDE - procurou responder, enunciando cinco grandes tendências:
Primeiro, o atual ciclo de vida dos plásticos está muito longe de se poder considerar circular. Nos últimos 20 anos, a produção anual de plásticos duplicou e o mesmo sucedeu com os resíduos plásticos. Hoje, apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados, mais de 19% são incinerados, quase 50% são depositados em aterro e cerca de 22% são depositados em lixeiras ilegais, queimados a céu aberto.
Segundo, a pandemia deu origem a mais resíduos de plásticos de utilização única. O volume global de plásticos utilizados caiu 2,2% devido ao declínio da atividade económica e dos confinamentos. Contudo, assistiu-se a um enorme aumento dos plásticos de utilização única, em especial associado aos equipamentos de proteção pessoal.
Terceiro, a deposição de microplásticos (com um diâmetro inferior a 5 mm) nos rios, no oceano e no ambiente terrestre tem vindo a agravar os riscos para a saúde humana e para a biodiversidade.
Quarto, existe uma gigantesca acumulação de resíduos plásticos no meio aquático (109 milhões de toneladas nos rios e 30 milhões de toneladas no oceano). Estima-se que, nos próximos anos, a massa de plásticos seja superior à de peixes no oceano e a remoção destes plásticos é cada vez mais difícil e onerosa atendendo à sua progressiva fragmentação.
Quinto, a pegada carbónica do ciclo de vida dos plásticos é significativa. A produção de plásticos é responsável por 3,4% das emissões globais de gases com efeito estufa, 90% dos quais são decorrentes da produção a partir de combustíveis fósseis.
Neste contexto verdadeiramente alarmante é necessário atuar em quatro domínios: desenvolver um verdadeiro mercado de plástico reciclado (que hoje é apenas responsável por 6% do total da matéria-prima utilizada na produção); acelerar a inovação para um ciclo de vida verdadeiramente circular (hoje apenas 1,2% de toda a inovação no setor dos plásticos está relacionada com objetivos de sustentabilidade ambiental); reforçar a ambição das políticas nacionais, fixando metas mais exigentes de aumento da reciclagem e da redução da deposição em aterro e da incineração, assim como mecanismos fiscais de reorientação de comportamentos dos produtores e dos consumidores; e reforçar a cooperação internacional de forma a tornar as cadeias de valor globais mais circulares e atingir o objetivo de neutralidade na deposição de resíduos plásticos no meio ambiente.
Como se viu pelos resultados alcançados com a reforma da fiscalidade verde, aprovada em 2014, incluindo a taxa sobre os sacos plásticos leves, temos razões para acreditar que, com políticas públicas adequadas, os cidadãos portugueses estão disponíveis para liderar a mudança em prol da economia circular.
Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE