Há mais uma espécie exótica no Guadiana. É o peixe-gato-do-canal

Com esta descoberta, investigadores confirmam que espécies de peixe exóticas já igualam as nativas naquele rio
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Chegou de mansinho, sem que ninguém desse por ele, e já cá está, completamente instalado no Guadiana, incluindo em toda a zona de Alqueva. O peixe-gato-do-canal (Ictalurus punctatus) é a mais recente espécie exótica de peixe cuja presença acaba de ser confirmada em rios portugueses. A descoberta, o estudo genético que permitiu determinar a sua identidade e a investigação, digna de uma história de detetives, para reconstituir a história desta "invasão" foram feitos por uma equipa coordenada pelo investigador Filipe Banha, do polo do MARE - Centro de Ciências do Mar e Ambiente na Universidade de Évora.

Com este peixe de origem americana, o número de espécies exóticas da fauna do Guadiana sobe para 11, igualando pela primeira vez o número de peixes autóctones - os mesmos 11 - que existem naquele rio, com tudo o que isso implica de pressão ambiental acrescida e de incerteza para as espécies nativas. "Este peixe é omnívoro e compete com as espécies autóctones pelo espaço e pelo alimento, e na fase adulta pode mesmo predar os peixes nativos de menor dimensão", explica Filipe Banha, que é doutorado em Ciências do Ambiente pela Universidade de Évora.

Mas como chegou afinal o peixe-gato-do-canal às águas portuguesas do Guadiana?

A primeira vez que a equipa de Filipe Banha se cruzou com este peixe foi em 2012. "Capturei um peixe-gato-do-canal, na zona da Juromenha [no Nordeste do concelho do Alandroal], estava ele a acabar de chegar, vindo de Espanha", conta o investigador. Depois, procurando nos registos de pesca profissional e desportiva, dos mais clássicos aos mais recentes, como nos blogues, YouTube ou no Facebook, a equipa de Filipe Banha conseguiu estabelecer que a chegada desta espécie às águas portuguesas do Guadiana ocorreu em 2011, no local da Ponte da Ajuda, mesmo junto a Espanha, no mesmo concelho do Alandroal.

Conclusão: o peixe-gato-do-canal chegou ao lado de cá do Guadiana vindo de Espanha, onde já estava pelo menos desde a década de 80 do século passado. Mas, como esta espécie da América do Norte chegou a Espanha é outra história, que está em grande parte envolta em mistério.

A primeira vez que se identificou aquele peixe na Península Ibérica, do outro lado da fronteira, foi na bacia do Ebro, em 1987, mas há indicações de que terá sido pela primeira vez introduzido em Espanha na albufeira da barragem de Castilseras, na região de Castela-La Mancha. Depois disso, pelo menos em quatro ocasiões, a espécie foi intencionalmente deslocada para outras bacias hidrográficas em Espanha, incluindo para a do Guadiana. "Não sabemos por quem, nem com que motivo, mas, tal como já aconteceu com outras espécies exóticas da fauna de água doce, o mais provável é que tenha sido introduzido nesses ecossistemas por algum empresário de aquacultura, para a sua reprodução, ou para a pesca desportiva", admite Filipe Banha. O facto de este ser, justamente, um peixe com valor para aquelas duas atividades - "é muito utilizado no consumo humano", assegura o investigador - aponta para que as coisas tenham acontecido assim.

No artigo que publicou no fim de novembro na revista científica Knowledge & Management of Aquatic Ecosystems, a equipa de Filipe Banha conta essa história e traça a expansão da espécie na bacia do Guadiana, depois de ela ter sido detetada ali, pela primeira vez, no final dos anos 90 do século passado. Chegada a águas portuguesas em 2011, a sua expansão até Alqueva foi rápida. "São cerca de cem quilómetros em cinco anos e, no ano passado, já foram capturados exemplares junto a Mértola, o que são mais cerca de 80 quilómetros", esclarece o principal autor do estudo.

Agora que o peixe-gato-do-canal está plenamente instalado em Alqueva - "os pescadores profissionais já o pescam", conta Filipe Banha - "já não é possível erradicá-lo". O que há a fazer, diz o investigador, "é evitar que ele colonize também outras bacias hidrográficas".

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