Há mais pessoas a viver na Amadora do que eleitores do PAN

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Uma mentira não se torna verdade por ser repetida muitas vezes, nem mesmo quando se espalha nas redes sociais. Eu até acredito que haja alguma ingenuidade a justificar as afirmações do PAN, quando os seus militantes e apoiantes dizem que a maioria dos portugueses apoiam as suas causas - as redes sociais tendem a ter esse efeito: vamos vendo o que os nossos amigos ali põem, as suas reações ao que partilhamos e convencemo-nos de que aquela pequena amostra traduz verdades absolutas. Mas não é por isso que deixam de ser construções de uma realidade, artificialidades, apenas entendidas como verdades por aquele conjunto de indivíduos que se revê nessas ideias e as tem continuamente alimentadas por esse circuito fechado.

A verdade comprovada pelos números é que o PAN representa uma pequenina minoria. Nas últimas eleições legislativas, conseguiu convencer 75 mil portugueses, uns escassos 10 mil menos do que os que votaram em Marinho e Pinto. Vejamos, há mais gente a viver na Amadora do que a votar no PAN.

Dito isto, para tomar como exemplo um tema que lhe é particularmente caro, ter um deputado a insistir que "a maioria dos portugueses são contra as touradas" depois de a ideia de as abolir ter sido esmagada na Assembleia da República (200 votaram pela manutenção e outros 14 abstiveram-se), onde tem assento, e derrotada na Assembleia Municipal da maior autarquia do país (ideia rejeitada por dois terços) - que nem sequer é aquela onde a tradição tem mais força - é um pouco tolo.

Ler que esse mesmo deputado considera "um crime" o que o Parlamento validou e a Constituição da República entende como manifestação cultural e que esse mesmo deputado defende que a fronteira entre ações admissíveis e inadmissíveis no campo do ativismo ou da política "coloca-se na existência de violência" e não na legalidade já é mais preocupante.

O que o deputado do PAN nos diz é que não respeita as instituições deste país, nem a lei - nem sequer a Lei Fundamental - sempre que elas vão em sentido contrário às suas crenças. Repito: é um deputado que se avoca o direito de escolher que parte das regras devem ser cumpridas, invocando o seu pessoalíssimo credo. Que filtra pelo seu ponto de vista o que é legítimo dentre aquilo que o país, os seus responsáveis e as instituições que o regem determinam.

Valha-nos a sorte de o senhor deputado ser contra a violência como meio para chegar aos seus fins - mas apesar de não bater, ignora e desrespeita o país, as próprias instituições que lhe dão palco e poder e os portugueses - a esmagadora maioria deles, neste caso. Interessa-lhe apenas o que ele e os seus apoiantes - os tais 75 mil - defendem, apenas essa doutrina é válida, só esses princípios lhe merecem respeito. E para justificar essa postura invoca argumentos falsos ou meias verdades. Sublinha que as corridas de toiros têm poucos aficionados quando as praças estão esgotadas e a sua transmissão televisiva levanta audiências. Repete que há isenções e benesses fiscais e outros apoios que Bruxelas e governos central e local já comprovaram repetidas vezes não existirem. Lembra-se que as academias de Coimbra e de Évora decidiram retirar as garraiadas do programa da Queima das Fitas; não diz que nas duas cidades houve ainda assim garraiadas promovidas por estudantes (respetivamente, no Coliseu Figueirense e no IROMA, dias 7 e 27 de maio), com aficionados de sobra.

É de conhecimento geral que os políticos moldam a verdade à sua conveniência e ao momento, mas eo claro e acintoso desrespeito pelos portugueses e pelas instituições não é algo a que devêssemos encolher os ombros. Não é bom sinal ficarmos indiferentes - e ainda pior que os outros que se sentam na Assembleia não se inquietem.

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