Há mais do que banco...no Montepio

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O Montepio Geral é uma associação "longeva e complexa", leio na "introdução" de um extenso e profundo estudo histórico, publicado pela INCM, no ano em que ele completou o seu 175.º aniversário.
De facto, olhando em redor, poucas instituições ativas, congénere nenhuma, possuirão tão senecto registo de constituição. E já nenhum ser humano vivo o viu eclodir. E porque com o nome de Lisboa a Caixa Económica emitiu em 1844 o "livrinho" - mais tarde, caderneta de depósitos -, a primeira prova da "relação de confiança", mais do que centenária, entre o depositante e a instituição à qual confiava o seu dinheiro. Sobrevive a Caixa Económica de Angra do Heroísmo, fundada em 1845 e anexa à misericórdia da cidade. Nem o Banco de Portugal, de 1846, nem a Caixa Geral de Depósitos, de 1876, existiam então.
O seu valor é, compreensivelmente, o somatório das várias gerações de associados, dirigentes e colaboradores que com ela se relacionaram e lhe foram assegurando o crescimento e a longevidade, como a sua notável e singular transversalidade na sociedade portuguesa. O essencial da sua atividade reside na relação simbiótica entre depósitos, créditos, pensões e benefícios. Uma espécie de "geringonça", a um tempo, institucional e financeira, que resistiu bem até ao dia em que o sistema bancário português ameaçou ruir.
A Associação Mutualista tem cerca de 600 mil associados, a Caixa Económica mais de um milhão de clientes, mais de 22 mil milhões de ativos líquidos (em Espanha defendem os peritos que é necessário bastante mais para que um banco possa sobreviver), já teve mais depósitos no passado, mesmo recente, o que não surpreende (surpreende, sim, a sua enorme resiliência). Está hoje entre os seis maiores bancos portugueses (?) que restam.
Logo no começo da sua atividade, como é recordado no supracitado estudo, Alexandre Herculano exaltava a pequena poupança e o papel das caixas económicas como apropriados instrumentos financeiros "para elevar a sorte das classes trabalhadoras e do próprio país". Todavia, desvalorizou os motivos que estavam na sua génese: "Os associados e as pensões." Eis a questão perturbadora: de um lado, clientes, depósitos e crédito, do outro, associados, pensões e benefícios. Entre os seus interesses existe uma tensão que origina uma turbulência inevitável e impele o regulador da banca a aventar uma solução radical de segregação institucional entre a mútua e a caixa económica, que a esta até faça perder o nome de "montepio"; e ao ministro da tutela defender, na passada semana, na Assembleia da República, precisamente o oposto, classificando o propósito como "uma distinção forçada e artificial" entre a Associação Mutualista e a sua Caixa Económica.
Paradoxalmente, o modelo - pensões e depósitos - em que o Montepio Geral escorou a sua longa vida é, hoje, a razão da sua estase.
A aflição regulatória do século XXI, efeito da crise financeira de 2008, haveria de desagasalhar tanto as fragilidades do modelo de negócio da Caixa Económica como a obsolescência do velho modelo de relacionamento entre a Associação Mutualista e a Caixa Económica nascida tanto para ser o "primeiro mealheiro público do país", na publicidade de antanho, como para "pôr à disposição do Montepio Geral os resultados dos seus exercícios", como ainda rezam os seus vigentes estatutos.
O Montepio é, na realidade, uma associação complexa. Só por pura magia uma abrupta e radical separação entre as duas instituições não provocará, pelo menos, a implosão de uma delas: uma tem depósitos, a outra produtos de poupança e benefícios, com um suporte financeiro que o intenso relacionamento entre as instituições imbricou ao longo de muitos anos.
São conhecidas, ainda que superficialmente, as posições do regulador e da tutela. Quer numa perceção quer na outra, o que está em causa é a garantia suficiente da solvabilidade das instituições, ou seja, em última análise, a proteção dos depósitos, assim como dos produtos que a Associação Mutualista emite e os vendeu aos balcões da Caixa. A separação entre as instituições é necessária, até como boa prática, mas, com que amplitude e com que sorte?
A segmentação cega e de supetão é, a todos os títulos, desaconselhável, pois pode pôr em sério perigo não só uma das instituições, mas todo o arquétipo mutualista. Mesmo a abertura do capital da Caixa Económica, sendo executada, simplesmente, como uma simples operação de dispersão de capital, pode comportar riscos para a estrutura mutualista no curto prazo, por acentuar a tensão entre as funções da Caixa e as finalidades da Associação Mutualista. O fundo de garantia dos produtos da Associação Mutualista sugerido pelo ministro da tutela também não é solução bastante e parece extravagante dada a natureza dos produtos. É preciso modificar a estrutura orgânica do Montepio, mas no âmbito do terceiro setor, sem lesão do mutualismo, nem entrega da Caixa Económica a uma outra instituição de crédito, com o concurso da Lusitânia Vida e a garantia da supervisão bancária, seguradora e social.
Não é simples, mas é possível!

Advogado

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