Um casal de sexagenários foi detido, em fevereiro, por suspeitas de burla, usurpação de funções e falsificação de documentos, crimes relacionados com a atividade que exerciam numa clínica veterinária clandestina em Tavira. Fazendo-se passar por médicos veterinários, o homem e a mulher usavam boletins de vacinação com carimbos e assinaturas falsificados. Uma entre muitas situações de usurpação de funções que têm sido detetadas em Portugal. "Não podemos dizer que o número de casos está a aumentar, mas há mais denúncias e mais sensibilização. As pessoas estão mais alertadas para este fenómeno", diz ao DN Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV)..Para tentar combater a atividade ilícita, a OMV desenvolveu, em conjunto com a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), um novo boletim sanitário para cães e gatos, no qual deverá constar o registo do histórico sanitário dos animais de companhia. "Só será disponibilizado aos médicos veterinários inscritos na Ordem, sendo que será feito o registo dos boletins atribuídos a cada médico. Além de ser mais difícil de falsificar por ter um holograma e o número de série, caso apareça um livro [suspeito] conseguimos saber o que se passou. Se foi roubado ou falsificado, por exemplo", explica o bastonário..Até agora, prossegue, eram os próprios laboratórios farmacêuticos que forneciam os livros de vacinas dos animais de companhia, o que fazia que estivessem acessíveis "a qualquer pessoa". Além disso, lamenta, "a fiscalização é ultrarreduzida, limitada às queixas", o que faz que ainda continuem a aparecer muitos casos de usurpação de funções..A nível nacional, existem sobretudo três grandes fenómenos relacionados com a atividade ilícita. "Nos animais de produção, é uma realidade muito presente, sobretudo nos meios rurais. Há sempre entendidos para resolver os problemas", revela Jorge Cid. Já com os animais de companhia, é frequente existirem "pessoas com outros cursos, nomeadamente relacionados com as ciências farmacêuticas, que vacinam e tratam animais sem a presença de um médico veterinário". E, por último, existem os casos de falsificações. "Temos boletins falsificados com carimbos que não correspondem a ninguém ou que são de médicos que não sabem que a sua carteira está a ser usada ilegalmente.".A usurpação de funções é muitas vezes detetada por médicos veterinários, que desconfiam dos boletins falsos. "As pessoas fazem-se passar por médicos e os donos não sabem, acreditam que estão habilitados para tratar os animais." Um problema que pode ter consequências graves. "Põem em causa a saúde do animal com tratamentos que não são adequados, mas também a saúde pública, se forem usados antibióticos que não são necessários ou que não são adequados", sublinha o bastonário da OMV, destacando que "os tratamentos empíricos podem causar grandes problemas e até a morte do animal"..Quem se faz passar por médico veterinário tem como objetivo "ganhar dinheiro com uma atividade paralela, onde não são feitos descontos". E, por norma, atrai os utentes com preços mais baixos. "As pessoas vão numa tentativa de poupar dinheiro.".Quando recebe uma queixa, a OMV encaminha-a para o Ministério Público, que dá seguimento ao processo. "Mas muitas vezes acabam arquivados ou demoram tanto tempo que a pessoa continua a exercer ilegalmente", denuncia Jorge Cid. Não há uma noção exata da dimensão do fenómeno. Um dos problemas, conta, é o facto de muitas pessoas não chegarem a fazer queixa, porque "acham que não foi por mal" ou porque conhecem a pessoa em questão. "Só ficam mesmo aborrecidas quando o animal morre.".Quase todas as semanas chegam aos profissionais inscritos na OMV casos relacionados com a atividade ilícita. "É muito frequente aparecerem animais abandonados ou de companhia que têm microchip, mas este não está registado, porque a pessoa que o colocou não é um médico veterinário", diz Jorge Cid. Quando os profissionais tentam perceber quem é o tutor do animal, não conseguem, pois não há qualquer registo. "É um flagelo nacional. Os microchips são colocados por pessoas que não estão habilitadas para o fazer.".A obrigatoriedade de o chip ser colocado por um médico veterinário está contemplada no projeto de lei do ato médico veterinário, que foi aprovado na generalidade em 2017, mas que tem de ser discutido na especialidade. "E as novas regras de identificação do animal já preveem que os microchips apenas sejam cedidos e aplicados pelos médicos veterinários.".Boletim obrigatório até 2021.Até 2021, os tutores dos animais de estimação deverão certificar-se de que os veterinários trocam o livro de vacinas antigo pelo novo boletim sanitário, em vigor desde o dia 1 de junho - e que deverá ser entregue sempre que os animais de companhia forem vacinados ou sujeitos a uma intervenção médica..Dos cerca de seis mil médicos veterinários inscritos na OMV, entre quatro e cinco mil atendem animais de estimação, pelo que receberam estes boletins. Além destes, são obrigatórias as vinhetas médico-veterinárias, o que, segundo Jorge Cid, "torna mais difícil a falsificação da atividade e a usurpação de funções"..Para ter a certeza de que é atendido por um médico veterinário, deve dirigir-se a um Centro de Atendimento Médico-Veterinário (CAMV). Se desconfia da legalidade do livro de vacinas do seu cão ou gato, procure informar-se junto da OMV ou de um CAMV.