"Há "Cecilias" por todo o mundo e todos conhecemos uma"

Arquiteto espanhol fez tese de mestrado sobre o caso de Borja como exemplo do património rural e de quem efetivamente o preserva
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"Não conheci uma única pessoa que não reconhecesse as imagens do Ecce Homo, nem nos Estados Unidos, nem na Jordânia, no Haiti, nem em muitos países europeus. Muitas vezes, quando digo o nome do fresco as pessoas não sabem do que falo, mas todos conhecem imediatamente as imagens do antes e do depois. Vim para os Estados Unidos em 2014, dois anos depois de o Ecce Homo se ter tornado viral, mas no meu primeiro Halloween em Nova Iorque vi pessoas que usavam máscaras do Ecce Homo."

Alberto Sánchez Sánchez, arquiteto e natural de Used, Saragoça, apresentou a sua tese de mestrado em Conservação do Património Histórico na Univer-sidade de Columbia, em Nova Iorque. Chamou-lhe Behind Ecce Homo: Rural Development Policy and the Effects of Depopulation on the Preservation of Spanish Heritage.

Conta que o restauro do Ecce Homo e a história de Cecilia lhe permitira "introduzir o tópico a um público americano que não estava familiarizado com o problema do despovoamento rural do Sul da Europa, nem com as suas implicações".

"A Cecilia exemplificava o que eu estava a tentar explicar: são pessoas como ela, especialmente mulheres, que preservam a herança rural de Espanha no quotidiano. São mulheres como a Cecilia que limpam o chão de igrejas românicas e peças barrocas em altares, ou vestem esculturas góticas para as procissões", explica. Acrescentando que, justamente devido ao despovoamento, "cada vez há menos "Cecilias"", Sánchez afirma, por outro lado, que os "restauros falhados como o do Ecce Homo são muito comuns em Espanha".

O de Cecilia Giménez, admite, "é hilariante". Todavia, acrescenta: "Muitos dos restauros falhados que vi não têm piada, são verdadeiramente tristes, de frescos barrocos pintados com tinta para plásticos ou altares em talha dourada reparados com spray dourado."

Apelando à valorização do trabalho de preservação do património destas populações rurais por parte da União Europeia, o arquiteto espanhol recorda que sem elas "muito deste estaria irremediavelmente perdido. Cecilia colaborou na manutenção do Santuário da Misericórdia em Borja durante anos, antes de falhar no restauro do Ecce Homo. Quem teria tomado conta da capela sem ela e os seus vizinhos? Quem tomará conta do património quando não houver ninguém a viver lá?"

Alberto trabalha no Empire State Building, em Nova Iorque, no departamento de programas do World Monuments Fund, organização sem fins lucrativos que se dedica à preservação do património arquitetónico mundial.

O seu trabalho centra-se no cuidado e na vigilância do património ameaçado, programa que neste momento "inclui cinquenta lugares em 39 países, dois deles em Portugal: a Igreja de São Cristóvão e o aqueduto Água de Prata, em Évora", diz.

Defensor da "incorporação histórica nas políticas de desenvolvimento rural" europeias, o arquiteto diz que "o património rural europeu poderia ser uma ferramenta enorme para o desenvolvimento rural, bem como uma ferramenta para travar o despovoamento".

Quanto à possível explicação para o fenómeno hoje universal, Sánchez afirma que, além de ser cómico, o facto de Cecilia "só estar a tentar ajudar deu um toque humano à história". "Em certa medida, há "Cecilias" por todo o mundo e todos conhecemos pelo menos uma delas. A Cecilia representa as pessoas que dão o seu melhor pelas suas comunidades."

Em Borja

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