Há cada vez mais gordos que gostam de ter peso a mais
Jordana Góis tem 27 anos e 97 quilos de boa disposição. Diz sentir-se muito bem com o seu corpo e nas curvas dançantes que exibe ao andar. Os quilos a mais não lhe pesam e emagrecer não faz parte da lista de resoluções de Ano Novo. "Estou numa fase muito boa. Adoro rir, passear e conviver. Sou uma pessoa feliz e saudável", garante.
Os médicos dizem que há cada vez mais pessoas com excesso de peso a sentirem-se psicologicamente bem no seu corpo e a optarem por fazer dieta só por razões de saúde. A explicação? Ter quilos a mais é cada vez mais comum em Portugal e as semelhanças diminuem a humilhação, a penalização e a vontade de mudar.
Mais de metade dos portugueses têm excesso de peso e um milhão e meio são mesmo obesos. Ou seja, têm um índice de massa corporal superior a 30 (ver infografia). A tendência é que os níveis de obesidade e pré-obesidade continuem a subir em todo o mundo, sobretudo entre os mais novos.
"A constatação é evidente, hoje nas turmas da escola há mais crianças gordas do que há uns anos. Por isso, quem o é já não se sente discriminado nem gozado porque ser-se gordo passou a ser comum", explica a psicoterapeuta Ana Sofia Nava, da clínica Tágide. "Trata-se da dinâmica interpares e das semelhanças com que nos identificamos."
A endocrinologista do Hospital de Santa Maria, Isabel do Carmo, concorda: "Há muitas pessoas que não sentem pressão em fazer dieta, vêem os outros na mesa a comer de tudo e comem também, sem constrangimentos. Imitam-se no comportamento e vivem felizes."
O mesmo diz o cardiologista João Gorjão Clara: "Aparecem muitas pessoas no meu consultório que se recusam a emagrecer por se sentirem bem e gostarem de se ver ao espelho, por mais que eu aconselhe que o façam."
Há quem tenha vaidade no seu peso e em países como os Estados Unidos crescem movimentos que recebem o nome de Fat Pride - Orgulho em Ser Gordo (ver ao lado).
Nuno Machado da Cruz, de 45 anos, é diabético, já teve um princípio de enfarte, mas recusa-se a perder os seus 120 quilos. "O gordo, por natureza, é uma pessoa mais bem-disposta, animada, conversadora, um excelente relações públicas", define o proprietário de uma empresa de catering. "Nuno Gordo", como é conhecido desde criança, diz que a alcunha é como uma imagem de marca e que é "a gordurinha a mais" que o faz sentir-se bem.
"Durante a minha vida só houve duas vezes que estive um pouco mais magro, mas não me sentia eu, não era a mesma pessoa", lembra, acrescentando: "Adoro combinar almoços e jantares com os amigos, trocar impressões e conviver. Gostamos todos de comer e beber bem e estamos sempre bem-dispostos."
"Podem não ser pessoas elegantes, mas sentem-se bem no corpo que têm, vivem em paz, alegres, divertidas, porque foram reconhecidas como indivíduos bons e belos nessa figura", indica Ana Sofia Nava. A educação e a forma como os outros se relacionam e o que dizem têm aqui um papel fundamental. "Se em criança os pais lhe incutem a ideia de que é bonita, de que gostam dela, de que é uma pessoa boa, isso vai influenciar a imagem que criam sobre o seu corpo. E no grupo de amigos pode acontecer o mesmo."
Jordana não quer nem sente necessidade de mudar. "Para o meu marido está sempre tudo bem. Ele só tem barriguinha, mas quer é que eu me sinta bem comigo mesma, que me sinta feliz e saudável", conta a doméstica.
Gorjão Clara lembra-se um episódio semelhante: "Tenho um paciente que pesa um pouco mais do que o aconselhado. Como sofre de hipertensão aconselhei-o a perder quatro quilos. Bastava para reduzir a medicação de dois medicamentos para um", conta. Mas o médico não o conseguiu convencer: "A mulher, que o acompanhava na consulta, inibiu--o no mesmo instante. Disse que gostava dele com barriguinha."
O grande problema, diz, são as consequências para a saúde associadas ao excesso de peso. "A pessoa pode pensar que é saudável, mas a partir de uma certa idade os problemas de saúde acabam por aparecer, por mais que pense que não", alerta Gorjão Clara.
A obesidade pode provocar várias doenças. As principais são as crónicas, como a diabetes e a tensão alta (hipertensão), e outras que vão diminuindo a qualidade de vida, como os problemas respiratórios e osteoarticulares.
O médico é, por isso, muito crítico da opção de certos doentes que insistem em manter o peso a mais. "Não vejo uma única vantagem", diz o médico. Gorjão Clara lembra que ainda há mitos ligados à obesidade, mas diz que já não fazem qualquer sentido. "Antigamente dizia-se que os gordos eram mais resistentes às infecções, mas isso era um mito ligado às condições socioeconómicas."
A nutricionista Alexandra Bento chama-lhes "casos de pré-contemplação". "Os obesos reconhecem que têm um problema, mas recusam-se a mudar porque gostam de ser assim ou pensam que não conseguem", diz. O ideal é tentarem manter uma alimentação equilibrada. Porque ser gordo, diz Gorjão Clara, é como carregar uma mochila cheia de pedras. Só que, neste caso, a pessoa não a consegue tirar, "com todos os problemas que isso acarreta".