Há cada vez mais "gamers" considerados casos clínicos

Os especialistas acreditam que em Portugal haverá vários casos clínicos de adição a jogos como o Fortnite. Mas não estão classificados como tal.
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A notícia do primeiro caso clínico de adição ao fortnite (registado em Espanha) não surpreendeu os especialistas portugueses. Pedro Hubert, psicólogo e técnico de aconselhamento em adições no Instituto de Apoio ao Jogador, não tem dúvidas de que "existem casos desses em Portugal", e que mesmo em Espanha "haverá muitos outros casos".

O jovem em causa esteve dois meses internado num hospital de Castellón, depois de diagnosticada a adição. O isolamento em casa, recusa de interações sociais e pouco interesse pelo meio à sua volta foram alguns dos sintomas apresentados. Um quadro que Pedro Hubert conhece bem, já que "chegam ao Instituto cada vez mais jovens, sobretudo menores, nesse registo. "Já enviei alguns casos para tratamento em comunidade terapêutica, nos casos em que se verifica que o tratamento em ambulatório não está a funcionar", revela ao DN.

"Tenho a certeza que em Espanha já houve casos cujo problema central do internamento foi esse, assim como em Portugal, mesmo que não esteja tipificado como tal", afirma o psicólogo.

Ao Instituto de Apoio ao Jogador chegam primeiro os pais - já que é de jovens, e na maioria menores, que estamos a falar. "O problema arrasta toda a família. E em 99% dos casos os 'gamers' não querem ser tratados. Acham que não têm qualquer problema". Foi a pensar nisso que o IAJ criou um um protocolo de tratamento que implica um programa com os pais. "Porque de alguma maneira são eles que ainda conseguem fixar limites. Inicialmente os pais ficam com um psicólogo e os filhos com outro, e normalmente só ao fim de algumas sessões é que se conseguem motivar os gamers para o tratamento", explica Pedro Hubert, que considera existir ainda um problema acrescido no que toca à terapêutica deste tipo de adição: misturar os gamers com outros jogadores. Sem falar no facto de ser uma área ainda com pouca expressão no serviço público. À excepção do NUPI (Núcleo de Utilização Probemática da Internet), no Hospital de Santa Maria, escasseiam no Serviço Nacional de Saúde as respostas a este problema crescente. "Além disso os centros de tratamento estão vocacionados para o alcool e substâncias ilícitas, ou quanto muito para jogo a dinheiro", acrescenta o psicólogo.

Em Inglaterra, abriu recentemente o primeiro centro de internamento só para gamers.

Desde 2018 que a OMS incluiu o "distúrbio do jogo" na lista de doenças classificadas como perturbações do foro mental. Mas o primeiro caso clínico de adição ao Fortnite só agora foi diagnosticado, em Espanha, de acordo com a agência de notícias EFE. Trata-se de um jovem que esteve internado durante dois meses devido ao vício neste jogo, que apresentou um distúrbio comportamental que o levou a isolar-se em casa e a recusar interações sociais.

A notícia foi divulgada depois de a equipa do hospital da cidade de Castellón (Espanha), onde o adolescente esteve internado, ter tornado público o caso, até agora considerado o único a nível mundial.

O menor foi hospitalizado depois de apresentar sintomas de grave dependência comportamental ao videojogo - isolamento em casa, recusa de interações sociais, rejeição de ir aos serviços de saúde, inflexibilidade pessoal persistente, pouco interesse pelo meio à sua volta e muito seletivo nos seus gostos com atividades restritivas.

De acordo com a equipa médica que o assistiu, apresentava também alterações no desempenho das atividades básicas da vida diária, como a toma do tratamento prescrito no centro de saúde e no ritmo de sono.

Desde o início do ano letivo que a família do jovem (anteriomente com um desempenho escolar muito elevado) tinha observado um aumento do absentismo, interrupção dos tempos de descanso e desinteresse pelas atividades letivas, o que coincidiu com uma mudança de turma.

Segundo os especialistas, a utilização generalizada de novas tecnologias na vida quotidiana e no lazer revelou potenciais danos causados pela utilização inadequada de videojogos e a necessidade de tratamento especializado para aqueles que apresentaram sinais de dependência comportamental.

Após uma avaliação, os profissionais sugerem que o vício dos videojogos atua como regulador do intenso desconforto causado pela perda de um membro da família e pela ansiedade derivada do aumento do nível de exigência no contexto educativo.

O tratamento deste caso foi feito tanto junto do jovem como da família, e os resultados mostraram uma diminuição significativa na utilização de ecrãs (numa primeira fase após a hospitalização com supervisão e apenas para o contacto com pares para promover a sua socialização), bem como uma melhoria no funcionamento pessoal e social do paciente.

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