Há acordo sobre o brexit mas o caminho ainda é complicado para Theresa May

A primeira-ministra britânica espera hoje conseguir ultrapassar a primeira barreira: garantir o apoio do governo ao acordo que negociou com Bruxelas. Mas, caso seja bem-sucedida, terá depois que enfrentar o Parlamento britânico.
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A contagem decrescente para as 23.00 de 29 de março de 2019, quando o Reino Unido vai deixar oficialmente a União Europeia, não pára. Após mais de um ano de negociações desencadeadas pelo resultado do referendo de 23 de junho de 2016, no qual 51,9% dos britânicos votaram a favor do brexit, já há acordo sobre o brexit.

Mas o caminho ainda é acidentado, nomeadamente para Theresa May, que enfrenta divisões dentro do governo e do partido.

Já há acordo sobre o brexit. O que é que isso significa?

Os negociadores de Londres e de Bruxelas chegaram a um acordo técnico sobre o brexit, mas o plano tem ainda que ser aprovado pelo governo britânico. Este é um passo crucial para a primeira-ministra britânica, Theresa May, que enfrenta divisões dentro do próprio executivo.

Vários ministros expressaram dúvidas desde o início em relação ao plano da primeira-ministra - houve duas demissões, uma delas do chefe da diplomacia Boris Johnson, que estava contra o Plano de Chequers. Consideram que Londres faz demasiadas cedências a Bruxelas.

May convocou um conselho de ministros para esta quarta-feira, às 14.00, para discutir o acordo.

Ao final da tarde, os embaixadores dos restantes 27 países da União Europeia em Bruxelas vão estar também reunidos. Inicialmente o plano era avaliar os planos de contingência caso ocorra um brexit sem acordo, mas agora deverão avaliar também o acordo final.

Quais são os passos que se seguem?

Se o governo britânico der luz verde ao acordo, haverá uma cimeira europeia extraordinária dedicada ao tema do brexit a 25 de novembro. Os chefes da diplomacia europeus devem reunir-se a 19 de novembro, para preparar essa cimeira. Caso não haja aprovação, todo o calendário atrasa provavelmente um mês, aumentando a hipótese de o Reino Unido sair da União Europeia sem um acordo.

O passo seguinte passa pela ratificação parlamentar do acordo, com novo teste de fogo para Theresa May no Parlamento britânico em meados de dezembro. O partido conservador não tem a maioria absoluta e, mesmo se tivesse, há vários deputados do partido de May que já disseram que vão votar contra.

"Espero que o conselho de ministro o bloqueie. Se não, o Parlamento vai bloqueá-lo", disse o deputado Jacob Rees-Mogg, um dos líderes do grupo eurocético no Parlamento britânico.

Também o Labour já disse que não votará num acordo que não apoie os seus requisitos em relação, por exemplo, a emprego e economia. "Vamos ver os detalhes do que foi acordado quando estiverem prontos. Do que sabemos da forma caótica como foram feitas as negociações, dificilmente será um bom negócio para o país", indicou o líder trabalhista, Jeremy Corbyn.

Os quatro principais partidos da oposição (Labour, Liberais-Democratas, Partido Nacionalista Escocês e o galês Plaid Cymru) pediram a May, numa carta aberta, um voto "significativo" no Parlamento. Isto é, a possibilidade de fazerem emendas e influenciar ativamente o texto que for apresentado.

Não podemos esquecer que o acordo terá ainda que ser aprovado pelos restantes 27 países da União Europeia e pelo Parlamento Europeu.

Um segundo referendo está fora de questão?

Será durante o debate no Parlamento britânico que os defensores de um segundo referendo deverão tentar pressionar para uma nova votação. A consulta poderá servir para os britânicos escolherem entre apoiar o plano de May, optarem por sair da União Europeia sem acordo ou ficarem na União Europeia.

A ideia de um segundo referendo ganha força caso a primeira-ministra não consiga aprovar o seu plano no Parlamento britânico, com uma segunda consulta sobre o tema a servir para reforçar a decisão dos britânicos. Em 2016, a decisão foi pela margem mínima: 51,9% a favor do brexit e 48,1% contra.

Mas Theresa May já disse que é contra um novo referendo, não sendo claro o que acontecerá caso o acordo seja vetado no Parlamento - a maioria concorda que seria o fim de May no número 10 de Downing Street, podendo abrir-se a porta a uma nova eleição.

Mas afinal o que é que diz o acordo?

O texto tem entre 400 e 600 páginas, segundo os jornalistas britânicos, e ainda não é conhecido oficialmente. Esta terça-feira houve uma leitura para os membros do governo, com May a não entregar o texto a ninguém para garantir que não havia fugas de informação das eventuais partes sensíveis. A primeira-ministra reuniu também pessoalmente com vários membros do governo, para explicar a evolução da situação.

Há semanas que os termos do "divórcio", como por vezes o brexit é chamado, assim como a base para a relação futura entre Reino Unido e União Europeia estava praticamente concluída. Os últimos passos estavam a ser mais difíceis, com as negociações a prolongarem-se pela noite fora em Bruxelas para conseguir um acordo.

O último grande obstáculo ao acordo era a questão da fronteira entre a Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, e a República da Irlanda, que continuará na União Europeia. Ambos os lados querem evitar uma fronteira física, com controlos, temendo que isso possa pôr em causa o acordo de paz na região - os Acordos de Sexta-Feira Santa foram assinados a 10 de abril de 1998, pondo fim a um conflito com 30 anos na Irlanda do Norte. Mas nenhum dos lados estava de acordo com a forma como isso deveria acontecer.

A solução para a fronteira entre as Irlandas, de acordo com a televisão pública irlandesa RTE, passa por um "backstop", um mecanismo que garante que não haverá uma fronteira física na ilha da Irlanda, que tomará a forma de um acordo aduaneiro temporário a nível do Reino Unido, com características específicas para a Irlanda do Norte, que vão mais longe na questão aduaneira e no alinhamento com as regras do mercado único do que o resto do Reino Unido. Também inclui um mecanismo de revisão.

Em causa estava encontrar uma solução para a eventualidade de a relação futura entre o Reino Unido e o bloco não estar definida até ao final do período de transição, em dezembro de 2020, sem afetar a livre circulação de pessoas e mercadorias.

O que é isso do período de transição?

Depois de o brexit ser oficial, a 29 de março, começa o período de transição durante o qual as coisas vão basicamente continuar iguais. A ideia é aproveitar esse tempo para o Reino Unido e a União Europeia negociarem ao pormenor a futura relação entre ambos. O acordado é que o período de transição seja de 21 meses, mas já se falou na hipótese de este poder ser alargado.

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