Há 76 pessoas já com alta médica que vão ter de passar o Natal num grande hospital
Há 76 pessoas que vão passar o Natal nos maiores hospitais do país apesar de já terem tido alta clínica. Este foi o panorama descrito ao DN por cinco grandes unidades de saúde de Lisboa, Porto e Coimbra, um retrato de utentes que têm famílias sem condições para os receber em casa ou simplesmente vivem sozinhos, e que nem conta com as largas dezenas de pessoas que estão no hospital à espera de serem encaminhadas para os cuidados continuados: só o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra tem cerca de 70 doentes a aguardar vaga para ingressar na rede.
O Hospital Fernando Fonseca, inserido numa das zonas de maior pressão demográfica da região de Lisboa (Amadora e Sintra) é o que apresenta o maior número dos chamados casos sociais: tem nesta altura 36 pessoas que já não precisam de estar no hospital mas que não têm condições para regressar a casa. "São sobretudo idosos, com alta clínica que aguardam maioritariamente resposta da Segurança Social, para integração em lar", explica ao DN fonte do Amadora-Sintra, que salienta que, destes 36 utentes, 26 encontram-se em camas de retaguarda (lar), suportadas pelo hospital, e os restantes encontram-se em camas de vários serviços, destacando-se as Medicinas. "Temos ainda situações que aguardam orientação do Ministério Público (nomeação de tutor/curador), e outras aguardam organização da família para retorno a domicílio ou outra estrutura."
Ainda na zona da capital, o Centro Hospitalar de Lisboa Central, onde se incluem, por exemplo, os hospitais de São José e Capuchos (que servem algumas das zonas mais envelhecidas da cidade) tem neste momento 15 pessoas já com alta médica que ainda ali vão passar o Natal. Ao todo, neste ano a unidade registou até à passada terça-feira 266 casos deste género, mais 63 do que em todo o ano passado (um aumento de 45%), pessoas que ali ficam, em média, 19 dias e que tanto podem ser mais idosas como crianças. "Os dias de protelamento em crianças/jovens devem--se principalmente à aplicação de medidas de proteção de criança/jovem em risco (por deliberação do Tribunal de Família e Menores ou CPCJ) sem suporte familiar", adiantou ao DN fonte do centro, que enumerou ainda outras situações frequentes: "Alterações associadas à estrutura familiar atual, entre as quais a dificuldade em conciliar a vida profissional e familiar; incapacidade ou indisponibilidade das famílias para assumir o papel de principal cuidador; baixos recursos económicos; rede de suporte familiar inexistente; falta de resposta atempada da rede de suporte formal; diagnósticos clínicos que têm como consequência a dependência física e cognitiva."
Fora desta contabilização ficam os doentes que permanecem no centro hospitalar a aguardar vaga na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. "Não misturamos nestes dados porque são pessoas que continuam a precisar de cuidados de saúde", resume ao DN a presidente do conselho de administração do Lisboa Central. Para Ana Escoval, que também é professora na Escola Nacional de Saúde Pública, este é um fenómeno com solução muito difícil, que precisa de ser tratado numa dupla vertente. "A de saúde, principalmente de proximidade, nos cuidados primários, com apoio domiciliário, e da rede de cuidados continuados; e a componente social. A sociedade civil, as associações de doentes e as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) têm uma grande importância no apoio a estes doentes" (ver entrevista).
O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) também tem como política não misturar os dados dos casos sociais com o número de utentes que esperam por respostas nos cuidados continuados. "Com alta protelada por razões sociais, neste momento o CHUC tem apenas um caso" e tem "cerca de 70 doentes a aguardar vaga para ingressar na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Importa esclarecer que há quem considere estes casos como "internamentos sociais" mas, para o serviço social, estes casos são doentes a aguardar outro nível de cuidados de saúde, os chamados cuidados continuados". Segundo a unidade de Coimbra, as principais causas das altas adiadas por razões sociais são a falta de condições sociais, "designadamente falta de habitação (caso dos sem-abrigo) ou habitação sem condições, insuficiência de recursos financeiros, sem retaguarda familiar (inexistência de cuidador informal), a que se junta falta de estrutura de acolhimento compatível com a situação financeira dos doentes e/ou das famílias".
Ainda mais a norte, no Centro Hospitalar de São João, encontram-se 16 pessoas com alta hospitalar que continuam a permanecer no hospital por motivos sociais, quase o dobro das nove que estavam na mesma situação no ano passado por esta altura. "As principais causas que dificultam a alta hospitalar destas pessoas são o isolamento social e a incapacidade das famílias para prestar os cuidados." Razões semelhantes às elencadas pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), que inclui o maior hospital do país, Santa Maria. "O envelhecimento progressivo, o aumento do índice de dependência, a sobrecarga familiar dos descendentes e o crescimento do número de doentes crónicos representam os fatores principais", respondeu ao DN o CHLC, que tem oito utentes nesta situação.
A indisponibilidade "está normalmente associada ao facto de os familiares estarem empregados, ou com idosos/menores a cargo, em que a sua capacidade de prestar apoio fica condicionada e agravada pela insuficiência de recursos financeiros e de serviços que permitam uma prestação de cuidados partilhada entre as redes de suporte formal e informal". O centro hospitalar que integra o Santa Maria destaca ainda o fenómeno da emigração, que faz que se registem situações em que os únicos familiares dos doentes residem fora do país. "Assistimos, ainda, a um crescente número de idosos dependentes, isolados e sem capacidade de decisão e consequente necessidade de sinalização ao Ministério Público para eventual processo de interdição." Por outro lado, a mesma fonte realça que o tempo de resposta aos pedidos de apoio económico para integração em lar (Santa Casa da Misericórdia e Segurança Social de Lisboa) "é moroso", e a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados "não responde em tempo útil".
O Hospital Garcia de Orta, em Almada, e o Centro Hospitalar do Porto, onde se integra o Santo António, não disponibilizaram dados ao DN. A unidade do Norte argumentou que "os casos são muito diferentes, uns sociais, outros por falta de família, outros pelas doenças em questão".