"Correu de boca em boca, invadiu todos os lares, como todas as noticias que anunciam as grandes tragédias e catástrofes, a quebrar a serenidade do fim de um novo dia calmo e de trabalho...", pode ler-se na reportagem do Diário de Notícias de 14 de agosto de 1959 sobre o incêndio do dia anterior na Igreja de São Domingues, em Lisboa..O fogo pouco mais deixou do que a estrutura. Ficou a sacristia, as portas de mogno e as imagens de Nossa Senhora da Escada e de Nossa Senhora da Nazaré. Mas perdeu-se muito mais, os frescos pintados no teto, tesouros, entre os quais se encontra um quadro a óleo que se acredita ter sido pintado por Josefa de Óbidos. O pouco que tinha resistido ao terramoto de 1755, que deitou abaixo praticamente toda a construção (menos o altar-mor), e que obrigou à reconstrução da igreja, desapareceu.."A Igreja de São Domingos estava em chamas... Todo o quarteirão de velhos edifícios corria grave risco de ser devorado pelo fogo." Apesar do alerta, os bombeiros sapadores conseguiram evitar que o incêndio, que deflagrou por volta das 20.30 do dia 13 de agosto de 1959, se propagasse pela Rua Barros Queiroz e pela Travessa de São Domingos. Mas houve quem não tenha conseguido sair impune: morreram dois bombeiros durante o combate às chamas..Procedeu-se novamente à reconstrução do monumento religioso, que reabriria em 1994, sem esconder as queimaduras de há 60 anos. Ainda hoje, as paredes continuam a exibir as marcas do incêndio em homenagem às feridas da igreja. As causadas pelo terramoto, pelo incêndio e pelo massacre dos judeus, que ali começou, em 1506..No dia 19 de abril de 1506, os fies enchiam a Igreja de São Domingues para pedir o fim da seca e da peste quando alguém gritou que o rosto de Cristo estava iluminado: era um milagre. Todos viram exceto uma pessoa, um judeu, que não viu a mesma luz, e que foi espancado até à morte quando tentava expor a sua teoria de que seria um reflexo. Foi o primeiro de três dias dedicados à caça aos judeus pela capital. Terão morrido entre dois mil e quatro mil judeus - homens, mulheres e crianças que foram torturados e queimados em fogueiras, a maior parte junto à igreja, no Largo de São Domingues, que arderia anos mais tarde. Onde hoje está um monumento, inaugurado em 2008, de homenagem aos judeus que ali perderam a vida.