Há 250 anos - A expulsão dos jesuítas

Do paraíso ao inferno. Em menos de uma década, a Companhia de Jesus passou de ordem religiosa mais influente em Portugal para a proscrição. Expulsos ou metidos em prisões, a queda em desgraça dos jesuítas teve a mão do marquês de Pombal que, usando expedientes maquiavélicos, lhes moveu uma guerra sem quartel.
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AO CHEGAR ao governo em 1750, para a pasta dos Negócios Estrangeiros, ninguém imaginaria que Sebastião José de Carvalho e Melo, que haveria de ser duas décadas depois marquês de Pombal, viesse a tornar-se o coveiro da Companhia de Jesus. Afinal, enquanto esteve em funções diplomáticas, primeiro em Londres e depois em Viena, ele correspondia-se com vários jesuítas – sobretudo com o italiano Carbone, um dos conselheiros predilectos de D. João V, que tratava com uma deferência filial. A sua escolha para o governo de D. José teve mesmo um dedo dos jesuítas e da rainha-mãe, protectora extremosa da Companhia. E consta mesmo que, nos primeiros anos do governo, o jesuíta José Moreira, confessor de D. José, terá intercedido junto do rei para que ele não fosse despedido por causa de uma quebra protocolar.

Os primeiros atritos entre os jesuítas e o marquês de Pombal começariam no outro lado do Atlântico. Em 1750 assinou-se com a Espanha o Tratado de Madrid, com vista à delimitação das fronteiras da América do Sul, que incluía a passagem da colónia do Sacramento para o país vizinho por troca com um território onde se localizavam sete aldeias governadas pelos jesuítas. Havendo então informações de essa zona possuir jazidas de metais preciosos – que vieram a mostrar-se erradas –, Portugal impôs que os índios, que sempre ali tinham vivido, migrassem para a parte espanhola. Como algumas dessas aldeias se sublevaram – dando origem à famosa Guerra Guaranítica, retratada no filme A Missão, com Robert de Niro –, os jesuítas foram acusados de instigarem os índios e estarem contra decisões régias.

Paralelamente, na parte meridional, embora nunca se tenha encetado a divisão do território, os jesuítas também foram acusados de obstrução. Neste caso, porém, com maior dano para a Companhia de Jesus, pois o demarcador português nomeado era o governador do Maranhão, Mendonça Furtado, irmão de Sebastião José. Em várias cartas, Mendonça Furtado destila ódio aos jesuítas, chegando a compará-los ao escalracho das vinhas, que deve ser retirado e queimado.

Contudo, foi com a criação, em 1755, da companhia mercantilista do Maranhão e Grão-Pará, uma iniciativa pessoal dos dois irmãos, que o conflito com os jesuítas abriu feridas profundas e irreversíveis. A Companhia de Jesus mostra-se claramente contra e no Maranhão um dos padres chega a pregar que quem é a favor da companhia mercantilista é contra «a companhia de Cristo Nosso Senhor». Acusados, com alguma razão, de serem mais comerciantes do que religiosos, os jesuítas vêem chegar de Lisboa, pouco depois do terramoto, a ordem de lhes retirar a jurisdição das aldeias de índios, que passam a ser vilas «civis». E alguns padres são forçados a regressar do Maranhão para Portugal.

A PARTIR DAÍ, Sebastião José começa a guerra sem quartel. Pressiona Roma, com ajuda também de subornos, para que seja feita uma inspecção aos negócios da Companhia de Jesus, conseguindo que, em 1757, esta ordem religiosa seja proibida de fazer comércio, de pregar e confessar. Pouco depois, D. José concorda em expulsar da corte os jesuítas que eram confessores da família real. No início do ano seguinte, perante um motim popular no Porto, por causa criação da Companhia da Agricultura do Alto Douro, Sebastião José tenta implicar os jesuítas. Desta vez, ainda sem sucesso.

Conseguiria envolver os jesuítas pouco tempo depois, aquando do atentado ao rei, em 3 de Setembro de 1758. Depois de mais de três meses de silêncio, em Dezembro seriam presos os alegados implicados, entre os quais os marqueses de Távora e o duque de Aveiro. Todo o processo judicial, que decorreu ao longo de apenas um mês, foi manipulado por Sebastião José e as poucas confissões dos réus e até declarações das testemunhas foram arrancadas por tortura.

Mas mais do que castigar os regicidas, o ministro procurou tudo para envolver os jesuítas. Mandou espiolhar correspondência, pôs todos os colégios dos jesuítas em sequestro, arrestou-lhes os bens. A sentença de Janeiro de 1759 que levou ao patíbulo os marqueses de Távora e o duque de Aveiro acaba por incluir a Companhia de Jesus como cabecilha do atentado ao rei, embora nenhum jesuíta tenha sido sequer inquirido. Na véspera da execução dos nobres, os primeiros padres são presos, entre os quais Gabriel Malagrida, mas nunca seriam julgados.

Ao longo de 1759, com os jesuítas isolados nos colégios, o embaixador português em Roma, primo de Sebastião José – que montara uma tipografia para divulgar, em várias línguas, opúsculos e livros antijesuítas – tenta forçar o papa a aceitar o julgamento civil dos padres e a extinção da Companhia de Jesus. Clemente XIII não aceita e Sebastião José, por razões mesquinhas, expulsa o núncio apostólico. Com o corte de relações diplomáticas com Roma, a expulsão dos jesuítas consuma-se no exacto primeiro aniversário do atentado do rei: 3 de Setembro de 1759, há precisamente 250 anos.

O MARQUÊS DE POMBAL não ficou, porém, satisfeito. Durante toda essa década, o ministro todo-poderoso estabelece uma autêntica campanha de difamação, através da publicação de livros, para convencer outros países católicos a expulsarem os jesuítas. Em 1764 consegue os seus intentos em França, três anos depois em Espanha. Mas continuou sem dar descanso ao seu ódio de estimação. Com a subida à cadeira de São Pedro de Clemente XIV – num dos mais longos conclaves da história da Igreja –, obtém finalmente, em 1773, que seja decretada uma bula para a extinção da Companhia de Jesus.

Vitória, porém, que acabou por não ser irreversível, porquanto os jesuítas se mantiveram activos na Prússia e na Rússia – que muito beneficiaram com a erudição destes homens. Em 1814, o papa Pio VIII reabilitaria a Companhia de Jesus.

Ordem polémica

«Num mesmo corpo se mostra a razão assentada ao lado do fanatismo, a virtude a par do vício, a religião ao lado da impiedade, o rigor ao pé da relaxação, a ciência a par da ignorância, o espírito de retiro ao lado do espírito da cabala e da intriga.» Assim eram, nesta reunião de contrastes, os jesuítas do século XVIII num retrato traçado por Diderot, filósofo e escritor francês, editor da célebre Enciclopédia, símbolo do iluminismo. Esta visão da Companhia de Jesus, embora feita num período conturbado, mostra sobretudo o carácter polémico da instituição criada em 1540 pelo antigo soldado basco Inácio de Loyola.

Com efeito, desde o século XVI, os jesuítas estiveram envolvidos em constantes polémicas, em muitos casos mais pelo sucesso que granjearam junto dos reis católicos, que preteriam outras ordens religiosas, concedendo à Companhia de Jesus uma influência crescente na sociedade. Mesmo antes da expulsão dos jesuítas decretada no reinado de D. José, já tinham ocorrido vários conflitos graves envolvendo jesuítas em vários países. Por exemplo, no século XVII, o padre António Vieira, membro da companhia, chegou a ser expulso do Brasil.

Depois da reabilitação dos jesuítas em 1814, a ordem restabelecer-se-ia de novo em Portugal, mas por pouco tempo. Após a guerra civil, as ordens religiosas foram extintas em 1834 e, tal como sucedeu com as outras, os jesuítas foram de novo expulsos. Regressariam poucos anos depois, mas a instauração da República em 1910 levou novamente à sua expulsão. Mas mais uma vez retornariam, com uma postura mais discreta, vocacionando a sua intervenção para as questões sociais e para o ensino. Actualmente, a Companhia de Jesus em Portugal tem vários colégios e casas paroquiais em 13 localidades, exercendo também acções em Moçambique, Angola e Timor.

Portugueses na milícia de Cristo

Em 1540, no grupo de seis fundadores da Companhia de Jesus, liderado pelo basco Inácio de Loyola, encontrava-se um português: Simão Rodrigues. Nascido em Vouzela, em 1510, foi enviado para Portugal, na companhia do futuro São Francisco Xavier, para lançar esta ordem religiosa em solo lusitano. Bem acolhido por D. João III, Portugal passou a ser um dos núcleos mais fortes dos inacianos, embora nunca qualquer português tenha alcançado o topo da hierarquia – superior-geral – da companhia, maioritariamente ocupado por espanhóis e italianos.

Apesar disso, alguns jesuítas portugueses tiveram um destaque muito relevante a partir do século XVI em acções missionárias na Ásia, África e sobretudo na América do Sul. Nesta última região, o seu papel foi não só religioso como político. Nesse primeiro século de existência, o jesuíta português mais importante foi Manuel da Nóbrega. Natural de Sanfins do Douro, embarcou com o primeiro governador do Brasil, Tomé de Sousa, em 1549, tendo sido o fundador de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Bento de Góis, nascido na vila açoriana de Vila Franca do Campo, liderou em meados de 1605 a Grande Odisseia – uma viagem terrestre de mais de seis mil quilómetros entre a Índia e a China. António de Andrade, nascido em Oleiros, torna-se anos mais tarde, em 1624, o primeiro europeu a chegar ao Tibete. Já na segunda metade do século XVII, os dois mais importantes jesuítas foram João de Brito e António Vieira. O primeiro – o único santo português da Companhia de Jesus – nasceu em Lisboa em 1647, tendo sido sobretudo missionário na Índia, onde seria executado em 1693. O segundo, também nascido em Lisboa, mas mais cedo (em 1608), tornou-se um extraordinário pregador e hábil político e diplomata, que nos deixou um legado escrito que ainda hoje é de consulta obrigatória.

Com menor influência na sociedade ao longo dos séculos XIX e XX, os jesuítas portugueses continuaram, porém, a demonstrar uma característica comum aos seus antepassados: a elevada erudição. E, deste modo, de entre os jesuítas mais relevantes da última centúria devem destacar-se o professor universitário e ensaísta Manuel Antunes, nascido na Sertã em 1918 e falecido em 1985, que marcou sucessivas gerações de estudantes da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Luís Archer, nascido no Porto em 1926, professor catedrático jubilado da Universidade Nova de Lisboa e um dos pioneiros portugueses na investigação genética, tendo também ocupado a presidência do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida; e António Vaz Pinto, nascido em Lisboa em 1942, que fundou o Banco Alimentar contra a Fome e desempenhou o cargo de alto-comissário para a Imigração e Minorias Étnicas.

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