António Guterres, que está prestes a ser confirmado como o próximo secretário-geral da ONU, chega indubitavelmente ao cargo com uma experiência relevante. O antigo primeiro-ministro de Portugal, de 66 anos, exerceu durante dez anos, entre 2005 e 2015, a chefia do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados. E vai assumir o cargo no meio da mais grave crise de refugiados que o mundo enfrenta desde 1945..Em 2014, a ONU informou que o número de refugiados globais havia ultrapassado os 50 milhões - o número mais elevado desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Desde então, os números subiram novamente após a intensificação da guerra síria. A questão dos refugiados tornou-se também uma das mais controversas e sensíveis questões políticas no Ocidente, com os fluxos crescentes de refugiados e migrantes para a Europa..No topo das prioridades de Guterres, quando assumir o seu lugar na ONU no início do próximo ano, estará a tentativa de resolução da crise de refugiados. É provável que outro dos seus principais objetivos seja um esforço para dar à ONU um papel muito mais proeminente e eficaz nas grandes questões de guerra e paz, em particular, nos esforços para acabar com o conflito na Síria..Mark Malloch-Brown, que foi vice-secretário-geral das Nações Unidas sob Kofi Annan, argumenta que nos últimos anos "o papel da ONU no campo político, da segurança e da diplomacia foi completamente marginalizado"..A ONU desempenhou um papel meramente marginal nas negociações sobre questões como a Síria ou o acordo nuclear com o Irão. Ban Ki-moon, o atual secretário-geral, colocou mais ênfase no papel da ONU nas questões ambientais e de desenvolvimento..É provável que António Guterres, pelo contrário, vá tentar aumentar o papel e o perfil da ONU na diplomacia internacional..Historicamente, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU - Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China - nem sempre ficam contentes com um secretário-geral ativista. Após o mandato carismático e mediático de Kofi Annan, entre 1997 e 2006, os EUA, em particular, estavam interessados em encontrar uma figura de perfil mais discreto..Mas o Sr. Ban é capaz de ter tido um perfil demasiado discreto ao longo da última década, até para os americanos. O desempenho confiante e eloquente do Sr. Guterres nas recentes audiências na ONU - destinadas a avaliar os candidatos a secretário-geral - mostrou que é provável que ele venha a ser um líder mais convincente e carismático do que o Sr. Ban..Como antigo primeiro-ministro, António Guterres tem capacidades políticas bem desenvolvidas. No ACNUR, ele tentou chamar a atenção para a situação dos refugiados, mas não foi visto como particularmente confrontativo, nas suas relações com países poderosos. Ele terá de trilhar um caminho igualmente delicado no mais alto cargo da ONU..O próprio facto de António Guterres ter obtido o lugar aponta para as suas capacidades diplomáticas..A princípio foi dado como certo que o próximo secretário-geral da ONU seria presumivelmente uma mulher e, provavelmente, oriunda da Europa de Leste. Mas o Sr. Guterres conseguiu baralhar essas expectativas..Acima de tudo, ele conseguiu evitar um veto dos EUA ou da Rússia. Num momento de aumento das tensões entre Washington e Moscovo, essa foi uma tarefa difícil. O confronto crescente entre a Rússia e o Ocidente também pode vir a ser o maior desafio que Guterres terá de enfrentar quando assumir o cargo no início do próximo ano. Se as tensões russo-americanas ficarem fora de controlo, o Conselho de Segurança da ONU poderá ver-se simplesmente num impasse, e isso poderá frustrar quaisquer esforços para aumentar o papel diplomático e de segurança da ONU..Especialista em política internacional do Financial Times