António Chaínho: A guitarra portuguesa é "um instrumento de loucos"
Histórias como a do seu pai que tocava guitarra portuguesa e da mãe que cantava fados. Chaínho recordou que com 16 anos já se "desenrascava muito bem" a tocar guitarra - que aprendeu de ouvido, "tal como a maioria dos guitarristas portugueses".
Foram vários os episódios contados pelo guitarrista numa conversa intimista e informal, moderada pelo jornalista Nuno Pacheco, no Museu do Fado, na passada quarta-feira.
António Chaínho frequentou, desde cedo, várias casas de fado, numa altura em que poucos tocavam guitarra portuguesa. Na conversa recordou os vários momentos do início da sua carreira, como quando assistia a espetáculos nos quais os guitarristas se viravam de costas, para que outros não aprendessem a sua técnica. Num tempo em que os guitarristas eram poucos, a concorrência era indesejada e, por isso, muitos viravam as costas a aprendizes que assistiam às atuações.
Mas Chaínho não conseguiu apenas aprender, como também se destacou entre guitarristas já conhecidos. A sua estreia deu-se na casa de fados Severa, em meados dos anos 1960.
No final dessa década lança o seu primeiro disco, Guitarradas, onde interpreta composições alheias, e poucos anos depois produz já um disco apenas com composições originais. O seu percurso foi marcado por várias personalidades do fado, que o próprio acompanhou na gravação de discos.
Na conversa com Nuno Pacheco, Chaínho relembrou os ensaios que gravava e ouvia em casa para se adaptar aos diversos estilos de cada artista com quem tocava, método que lhe concedeu experiências ricas e uma reputação que mantém até hoje - como ter tocado com Carlos do Carmo, que acompanhou ao longo de 30 anos, e diz ter sido "a pessoa mais importante na sua carreira".
Enquanto guitarrista, António Chaínho preserva a memória da guitarra portuguesa, instrumento que trata "como uma mulher". A sua carreira foi marcada por digressões pelo mundo inteiro, desde a Ásia à América, tendo gravado com artistas da Índia, China, Japão e Brasil. Ainda gravou em Moçambique em serviço militar.
"O fado tem uma característica muito portuguesa, somos um povo muito sentimental, e isso transmite-se a quem ouve fado pela primeira vez", conta Chaínho ao DN. Mas este não é o fator surpresa da presença do fado no estrangeiro: o guitarrista recorda várias situações em que músicos de outros países se referiram à guitarra portuguesa como um "instrumento de loucos", pela sua afinação específica.
"Lembro-me de passar em locais onde nem sabiam o que era a guitarra portuguesa, confundiam-na com um bandolim. Hoje, através da televisão, as pessoas já ligam mais, mas antes não era nada conhecida", referiu. António Chaínho contou ainda que, no final de uma atuação nos Estados Unidos, uma mulher pediu para lhe beijar as mãos, dizendo que "são mãos de ouro". No Brasil, chegaram a pedir-lhe para tocar na sua guitarra, por ser única e tão requintada.
Em 2005, António Chaínho fundou uma escola de guitarra portuguesa na sua terra natal, Santiago do Cacém. Com o intuito de prolongar o papel da guitarra portuguesa no panorama atual, o guitarrista procurou incentivar a aprendizagem, sobretudo dos jovens: "Está a descobrir-se cada vez mais a guitarra portuguesa e muito mais jovens estão a aprender a tocar. Falei na hipótese de tentar arranjar jovens, ir às escolas exemplificar, e então há uma aderência boa. Estou muito contente".
No final sessão, foram muitos os admiradores do guitarrista que agradeceram a partilha e recordaram momentos ligados à sua música. Aberta ao público, a conversa terminou com o desafio lançado por um dos espetadores: uma demonstração de guitarra do próprio António Chaínho.
"Estas conversas têm o mérito de chamar os apaixonados, os seguidores de cada artista. Têm sido experiências muito ricas de partilha de conhecimentos de cada artista com o seu público", completa Sara Pereira, num balanço das sessões.
Ainda este ano, António Chainho irá lançar um disco, intitulado O Abraço da Guitarra, em homenagem aos guitarristas com quem trabalhou até ao momento. O artista tem também espetáculos agendados para breve.
Conversas como a que decorreu com António Chainho fazem parte do programa Conversas de Museu. "No Museu do Fado trabalhamos com memória viva. Costumamos dizer que não temos um objeto museológico no sentido mais tradicional do termo mas um sujeito museológico plural". É assim que Sara Pereira, diretora do Museu do Fado, explica ao DN o mote das conversas, um ciclo que tem decorrido ao longo dos últimos anos.