Guineenses elegem novo presidente num clima de tensão e incerteza
Os 761.676 eleitores guineenses são de novo convocados às urnas este domingo, para eleger o -- dentre os doze candidatos -- o novo Presidente da República da Guiné-Bissau para mais um mandato de cinco anos. Mas as eleições para o sucessor de José Mário Vaz está envolvido num clima de tensões e de incerteza por todo o país e ninguém sabe o que poderá acontecer, Até porque todo o processo eleitoral decorreu com contornos políticos pouco nítidos.
A população eleitoral da Guiné-Bissau ainda tem a memória fresca do golpe de estado de 12 de abril de 2012, ocorrido em plena campanha eleitoral. É a partir desta altura que democracia guineense foi atrofiada e passou a estar cheia de vícios, que têm sido alimentados estrategicamente como forma da classe política se sobrepor às leis e o funcionamento das instituições da república. Há três fatores que fizeram crescer ainda mais a nebulosidade no processo eleitoral da Guiné-Bissau: movimentação étnica religiosa para a compra de consciência dos eleitores; detenção de quase duas toneladas de drogas pela policia judiciária; a denuncia feita pelo atual primeiro-ministro, Aristides Gomes, sobre a preparação de um golpe de estado -- que fora depois consumado pelo decreto presidencial n.º 12 do Presidente da República, José Mário Vaz, que tentou destituir (sem sucesso) o governo eleito nas legislativas de 10 de março, por pressão da comunidade internacional.
A Comunidade Económica dos Estados de África Ocidental (CEDEAO) retirou todos os poderes ao Presidente cessante, José Mário Vaz, a favor do primeiro-ministro, Aristides Gomes. A organização sub-regional sublinhou no seu último comunicado da Cimeira de Chefes de Estados e de Governo, realizada no Niger, que "José Mário Vaz não pode fazer nada neste momento sem consultar ou sem aval do primeiro-ministro". Os presidentes da CEDEAO exprimiram, por outro lado, a sua grande preocupação com o decreto presidencial que nomeou um novo governo liderado por Faustino Imbali e manifestaram ainda o interesse em reforçar a ECOMIB as forças militares de CEDEAO estacionadas na Guiné-Bissau.
"Se há alguém que colocou o país em risco de uma guerra civil foi o Presidente da República que decidiu nomear um novo executivo, quando não tem os poderes para isso, porque o seu mandato já terminara", advertiram Chefes de Estado da CEDEAO, que exprimiram também a sua "grande preocupação perante grande reviravolta na situação, fazendo país correr risco políticos e institucionais, assim como uma potencial guerra civil".
Como se não bastasse, a CEDEAO ameaçou ainda aplicar sanções aos políticos que perturbarem as eleições presidenciais do próximo domingo, e encorajou o primeiro-ministro, Aristides Gomes, a continuar o trabalho de organização do escrutínio. Este posicionamento da CEDEAO criou um certo mal estar na classe política guineense, que queria ver mais uma vez alterações políticas no país de Amílcar Cabral, dentro dos requisitos democráticos do ponto de vista constitucional e dos acordos internacionais celebrados pela Guiné-Bissau. O que fez emergir no país, a três semanas das eleições presidenciais, um movimento político contestatário composto por membros dos partidos de oposição que contestam a presença das forças da CEDEAO na Guiné-Bissau.
É sob este cenário de tensões políticas que os doze candidatos as presidenciais da Guiné-Bissau apresentam aos eleitores guineenses, como sempre, com uma narrativa política de uma autêntica luta pela conquista do poder. Todos querem pura e simplesmente conquistar o poder. Não querem saber que a democracia só permite aos candidatos chegar ao poder de acordo com o seu desempenho político. Por isso, a campanha eleitoral foi feita com base num "discurso político açucarado" e "incendiário" sem respeito pela lógica democrática que deve funcionar numa campanha eleitoral de um Estado democrático.
"O que está em jogo nestas eleições presidenciais de domingo é a histórica luta pelo poder", defendeu o politólogo guineense Rui Jorge, que considerou haver "uma dinâmica e uma lógica democrática que devem ser respeitadas pelos candidatos para poderem chegar ao poder". Ainda no seu entender, é o "respeito pela lógica democrática que fará funcionar as instituições democráticas da República" e que a "ausência do respeito pelo funcionamento da lógica democrática na Guiné-Bissau está a criar vícios que sequestraram o funcionamento das instituições da República".
Rui Jorge considerou que "a agenda central do Estado e do governo é de estabilização democrática do país e a agenda dos atores políticos é de pura e simplesmente de controlar o poder e de governar sem prestação pública de contas aos cidadãos". Ainda no seu entender "a democracia guineense está atrofiada com os núcleos e os movimentos sociais de apoios aos candidatos que têm uma extraordinária capacidade de desinformar e de perturbar". Todavia, garante que "as ações dos movimentos sociais poderão ser desincentivadas se o próximo Presidente da República pensar mais no país sem criar um império financeiro pessoal, formando também um bom gabinete com um corpo de assessores das pessoas também elas comprometidas com a consolidação do processo democrático e do funcionamento das instituições da República".
Também o professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Universidade Lusófona da Guiné Carlos Alberto Costa considerou que os atuais movimentos sociais afetos aos partidos políticos e aos candidatos as eleições presidenciais do próximo domingo estão a dificultar a estabilização democrática do país, porque são parciais e ao mesmo tempo "possuem atitudes de confrontações política direta".
"Há uma falta de diálogo entre os movimentos sociais que apoiam os candidatos às eleições do próximo domingo. Todos eles querem ganhar o pão de cada dia, porque fazem a política de confrontações direta como o trabalho onde ganham dinheiro para sustentar a família", testemunhou, sublinhando de seguida: "A maioria de membros dos movimentos sociais que apoiam os candidatos às presidenciais do próximo domingo é desempregada". Por isso, no seu entender, "são fenómenos ou ferramentas sociais para dificultar a estabilização política e democrática da Guiné-Bissau".
Ainda ao seu ver, não obstante as eleições presidenciais de domingo, o país está longe de estabilizar. "A Guiné-Bissau está ainda longe de estabilização política e democrática, uma vez que qualquer resultado que José Mário Vaz atinja no confronto com Domingos Simões Pereira poderá conduzir as várias interpretações dispares dos movimentos sociais que apoiam os dois candidatos". Este especialista alertou ainda que "os políticos guineenses têm as suas agendas de negócios privados que visam o seu enriquecimento ilícito através do acesso ao poder por via eleitoral".
Em relação à campanha de luxo que os candidatos apresentam nos comícios eleitorais, Carlos Alberto Costa assegurou ao DN que todos os candidatos às eleições presidenciais do próximo domingo "têm um compromisso com as empresas estrangeiras que financiam as suas campanhas" e quando conseguirem ascender ao poder a "empresa será retribuída depois com atribuição um contrato de exploração dos nossos recursos naturais. O que prova que realmente na Guiné-Bissau o poder político e governativo é mais exercido pelos homens de negócios".
No seu entender, o que está em causa nestas eleições presidenciais é a conquista do poder a todo o custo, o que leva os candidatos a usar a religião como uma ferramenta para conquistar os votos, mesmo que esta pratica esteja contra a Constituição da República que declara a Guiné-Bissau como "um Estado laico"".
A narrativa presente nos discursos dos comícios eleitorais dos 21 dias da campanha eleitoral não apresenta nada sobre a estabilização política e democrática da Guiné-Bissau. O que na opinião de Carlos Alberto Costa prova de forma inequívoca que o status quo da crónica instabilidade política institucional que fragilizou as instituições da República continuará depois das eleições.
Para Secretário Nacional para a Informação e Comunicação do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), António Oscar Barbosa as eleições presidenciais de 24 de Novembro de 2019 vão decidir o futuro do país que há duas décadas vive numa situação de constante instabilidade política e institucionais. "As sucessivas crises políticas e institucionais fragilizaram todas as instituições da República da Guiné-Bissau e as leis foram subvertidas aos interesses e as vontades das pessoas que estão no poder", disse ao DN responsável de Informação e Comunicação do PAIGC concluindo "na Guiné-Bissau a lei serviu sempre os interesses privados, e o próximo Presidente da República deverá acabar com estes interesses privados que põem em causa os interesses públicos".
António Óscar Barbosa lamentou que os discursos de 11 dos 12 candidatos às presidenciais tenham sido "discursos arruaceiros". A seu ver, só o candidato do PAIGC se preocupou com a defesa dos interesses do cidadão comum. Domingos Simões Pereira fala nos seus comícios da necessidade de resolver o problema da fome, da saúde, da proteção sanitária das mulheres e da necessidade de haver no país o emprego para os jovens recém-formados.
Responsável de Informação e Comunicação do PAIGC garantiu, em declarações ao DN, que o candidato do seu partido é o único que tem ideias claras para coabitar com qualquer primeiro-ministro e de dialogar com outros partidos políticos da Guiné-Bissau na estabilização política e institucional necessária e urgente do país. Manifestou ainda estar convicto que o seu candidato vai ganhar as presidenciais, mas escusou-se a alvitrar se tal acontecerá à primeira ou à segunda volta.
Por seu lado, Dito Max, o diretor de campanha no Setor Autónomo de Bissau, do candidato independente José Mário Vaz, defendeu que os próximos cinco anos serão cruciais porque o próximo Presidente da República deverá trabalhar arduamente para que haja a paz civil no país. "O nosso candidato trabalhou arduamente durante o seu mandato para que haja a paz civil, a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão na Guiné-Bissau", afirmou, acrescentando: "O próximo Presidente da República terá também que trabalhar arduamente para a estabilização política e institucional do país, como fez o nosso candidato".
Dito Max disse ainda ao DN que José Mário Vaz reúne todas as condições para ser reeleito Presidente da República, porque é o único com todas as condições para estabelecer as pontes entre todos os atores políticos e sociais da Guiné-Bissau para que haja uma estabilidade política e governativa no país.
"Eu acredito que José Mário Vaz poderá ganhar as eleições presidenciais de 24 de novembro, porque durante a campanha eleitoral a percebemos que a população, sobretudo no interior do país, ainda acredita no nosso candidato", assegurou ao DN concluindo "acreditamos que no domingo os eleitores guineenses irão conferir ao nosso candidato mais cinco anos de mandato".
Dito Max lamentou ao DN que José Mário Vaz não teve sucesso na estabilização política e institucional do país durante o seu primeiro mandato presidencial. "Neste mandato de cinco ano que agora terminou não foi possível José Mário Vaz combater as constantes instabilidades políticas e institucionais na Guiné-Bissau", mas mesmo assim o diretor da campanha de José Mário Vaz disse que agora "há uma dinâmica e uma aceitação popular do nosso candidato. O que prova de forma clara e inequívoca que ele vai outra vez a segunda volta e ganhar depois as eleições presidenciais de forma clara e transparente".
O Diretor da campanha do José Mário Vaz acredita também que se ele ganhar as eleições presidenciais do domingo trabalhará para que a cooperação com Portugal seja mais dinâmica para o bem estar dos dois países.
"José Mário Vaz tem uma ligação especial com Portugal. Ele estudou em Portugal. Por isso, tem também uma simpatia especial para com o povo português", explicou Dito Max ao DN, lamentando de seguida que "foram as crónicas instabilidades políticas institucionais da Guiné-Bissau que levaram José Mário Vaz a não conseguir explorar muito bem, durante o seu mandato que agora terminou, as relações de cooperação com Portugal".
Na visão do Diretor Nacional da campanha do candidato Nuno Gomes Nabiam, apoiado pela Assembleia do Povo Unido-Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), Augusto Gomes, considerou que o próximo Presidente da República eleito no domingo deverá ter a estabilização do país como a questão fundamental e prioritária para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. "Nós assinamos com o PAIGC um acordo político de incidência parlamentar e de estabilidade governativa, porque entendemos que o país precisa de estabilização política e institucional. É esse acordo que assegurou a formação parlamentar de atual governo liderado por Aristides Gomes". E confirmou: "Não é como as pessoas se especulam na Guiné-Bissau, o acordo com o PAIGC está em vigor e continuará a estar sempre em vigor para o bem-estar do nosso país. É, por isso, que temos o governo agora liderado por Aristides Gomes".
Augusto Gomes lamentou ainda ao DN que "fala-se muito em estabilizar o país", mas nos discursos nos comícios de campanha eleitoral os candidatos primam pelos "discursos açucarados", atacando uns aos outros". No seu entender, o próximo Presidente da República terá que ser alguém de diálogo franco e aberto sobre os assuntos de estado. É, na sua visão, este diálogo franco aberto que vai contribuir para a estabilização política e institucional do país de Amílcar Cabral. Todavia, Augusto Gomes não tem dúvidas que Nuno Gomes Nabiam é único candidato que reúne as condições de dialogar com todos os lideres dos partidos políticos e os candidatos que agora concorrem as eleições presidenciais, apontando como exemplo o acordo politico de incidência parlamentar e de estabilidade governativo que o seu candidato rubricou com o PAIGC, acordo eleitoral com o Partido da Renovação Social (PRS) e o diálogo permanente que últimanente Nuno Nabiam tem estabelecido com a direção e os dirigentes do Movimento Alternancia Democratica (MADEM-G15).
Por seu turno, o director nacional da campanha do candidato apoiado pelo MADEM -G15, Soares Sambú, considerou que as eleições presidenciais do domingo serão o culminar de um processo de instabilidade política e institucional na Guiné-Bissau e que tudo dependerá agora da conduta que o novo Presidente da República eleito irá adotar para a presidência da República.
"É só com o diálogo aberto, consequente e construtivo com todos os atores políticos e sociais que o próximo Presidente da República eleito no domingo poderá ajudar o governo a restabelecer a ordem democrática e constitucional no país", asseverou Soares Sambú, garantindo que "é necessário que todos os partidos políticos e os candidatos se trabalhem juntos para que este processo eleitoral seja isenta de vícios e de tentativa de fraude que possam manchar a vontade soberana do povo da Guiné-Bissau no escrutínio presidencial de 24 de novembro".
Ainda no seu entender, o que está em causa é os eleitores elegerem nas presidenciais de domingo um candidato que tenha a capacidade de dialogar com todas as forças políticas e sociais para poder estabilizar política e institucionalmente o país. "O próximo Presidente da República terá de ajudar a estabilizar internamente os partidos políticos, ou seja, acabar com as guerras internas nos partidos políticos que tem tido enormes reflexos na governação do país". "O Presidente de República eleito no domingo deverá desencadear uma luta implacável contra o fenómeno de trafico de droga e de criminalidade organizada", na Guiné-Bissau, disse ainda.
Para o analista político Rui Landim, o novo Presidente da República terá de lutar para acabar com ciclos constantes de instabilidades política e governativa instaurando um Estado de direito democrático na Guiné-Bissau. O politólogo guineense defendeu ainda, em declarações ao DN, que o novo Presidente que será eleito no domingo deverá desencadear um combate sem tréguas contra o trafico de drogas em que estão envolvidos a classe política guineense.
Rui Landim concordou que o que está em jogo nas eleições presidenciais de domingo é a estabilidade democrática e a independência do Estado da Guiné-Bissau. Ainda na visão daquele analista da política guineense, o novo Presidente da República eleito deverá pertencer "às forças patrióticas democráticas" para poder impor o cumprimento da lei para poder relançar a estabilização política e democrática no país que permita acabar de uma vez por toda com sucessivas quedas do governo da pátria de Amílcar Cabral.
O DN tentou obter as declarações dos mandatários ou dos diretores de campanha dos outros candidatos que não estão nesta reportagem ao fecho da campanha eleitoral, mas sem sucesso.
Em Bissau