Guiné Equatorial. O país que quer falar português

Mala de viagem (80). Um retrato muito pessoal da Guiné Equatorial.
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A semente lusa ficou neste território, mesmo que falar a língua portuguesa seja ainda uma miragem. Foram navegadores portugueses os primeiros europeus a explorar o golfo da Guiné, em 1471, no ano em que Fernão Pó assinalou a ilha de Bioco nos mapas europeus ao procurar uma rota para a Índia. Em 1493, o rei D. João II proclamou-se, juntamente com o resto dos seus títulos reais, como Senhor da Guiné e o primeiro Senhor de Corisco. Os portugueses colonizaram as ilhas de Fernão Pó, Ano Bom e Corisco, em 1494, e converteram-nas em postos para o tráfico de escravos. As ilhas permaneceram em mãos portuguesas até 1778, depois do Tratado de Santo Ildefonso (1777) e do Tratado de El Pardo (1778), em que foram cedidas a Espanha, conjuntamente com os direitos de livre-comércio, numa parte da costa do Golfo da Guiné limitada pelos rios Níger e Ogoué. Em troca, Portugal recebeu garantias de paz em diversas zonas de influência da América do Sul, como a retirada espanhola da Ilha de Santa Catarina e a demarcação de fronteiras no Brasil, mas renunciava à Colónia do Sacramento e aos direitos sobre as ilhas Marianas e Filipinas. Em 1909, as colónias espanholas de Elobey, Ano Bom, Corisco, Fernando Pó e Guiné Continental foram unidas sob uma administração única, formando a Guiné Espanhola, que seis décadas depois passaria a ser um Estado independente (1968). A atual Guiné Equatorial é, por isso, o único país de África de língua oficial castelhana. Porém, os idiomas mais falados, o Fang e o Pidgin, não são línguas oficiais. Apesar de a Guiné Equatorial ter decretado a língua francesa e, mais recentemente, a língua portuguesa como línguas oficiais, estas não são faladas no território. No entanto, na ilha de Ano Bom, ainda se usa o chamado Fá d'Ambô, ou seja, o Falar de Ano Bom, uma língua crioula de base portuguesa, que mantém uma semelhança grande com o dialeto de São Tomé e Príncipe. Resta aos restantes membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) - a Guiné Equatorial foi aceite, em 2014, como membro de pleno direito, condicionado à abolição da pena de morte - criarem esforços para difundir o ensino da língua portuguesa no país, designadamente acolhendo estudantes. Na sequência da recente descoberta e exploração de recursos petrolíferos e de gás, o país está a fazer um forte investimento no sector da construção de obras públicas e no urbanismo. Foi neste contexto que se projetou a nova capital, na província de Djibloho, inicialmente Oyalá e renomeada Ciudad de la Paz. Ela está situada a cerca de 20 quilómetros do novo aeroporto de Mongomeyen, sendo servida por vias de acesso estruturantes à escala nacional. O rio Wele é o elemento natural que organizou o traçado ortogonal de infraestruturas viárias, acompanhado tanto pela estrutura verde das linhas de água existentes, ao longo das quais se situam os principais equipamentos de recreio e lazer, como pela forte presença da vegetação em toda a cidade. O conceito apresenta uma rede de centralidades e contempla soluções fundamentais para a sustentabilidade ambiental da cidade, ambicionando ser a primeira capital do mundo totalmente dependente de energias renováveis. E, para além destes atributos, ficará marcada neste chão africano a criatividade de urbanistas e arquitetos portugueses, porque foram eles os vencedores do concurso internacional. A linguagem da arquitetura também conta para o estreitamento das ligações entre os povos. Esta cidade deve-se ao interesse pessoal do presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo de construir uma cidade exemplar. Ter como principal eixo a Avenida da Justiça só pode conduzir a uma maior justiça social para a sua população, com base no novo enquadramento económico, sob o signo do petróleo e do gás.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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