Guiné-Bissau à espera de mais uma crise eleitoral
Os 860 mil eleitores guineenses votaram no passado domingo de forma ordeira e pacifica em todo o território nacional e na diáspora (com exceção do Senegal), nas sétimas eleições legislativas cujos resultados eleitorais provisórios serão anunciados na próxima quarta dia 7 deste mês de junho.
Na abertura das urnas a Célula de Monitorização da Sociedade Civil visitou em todo o território nacional 177 mesas de assembleia de votos das quais se verificou que 165, correspondentes a 93 por cento, abriram na hora indicada, enquanto que 12, correspondente a 7 por cento, abriram com um ligeiro atraso, 169 abriram com materiais completos e 8 não tinham materiais completos. Materiais em falta eram na sua maioria marcadores permanentes, boletins de votos, cabines de votação e cópias de listas eleitorais. Todas as mesas de Assembleias de votos visitadas cumpriram com os procedimentos legais para abertura das urnas e contagem dos votos.
No terreno estava visível a mobilização e a vontade de participação dos cidadãos eleitores no ato de votação e da Célula de Monitorização da Sociedade Civil na vigilância no terreno e nas redes sociais para assegurar que haja eleições legislativas credíveis, livres, justas e transparentes.
Não obstante a célula de Monitorização da Sociedade Civil considerou que o processo de legislativas de passado domingo decorreu num clima globalmente de boa votação, mas a ida dos guineenses à urna foi num contexto relativamente sensível. Desde inicio do processo das legislativas que o debate político e eleitoral na Guiné-Bissau tem sido marcado por divergências entre o governo, parlamento e as diferentes formações politicas em torno das regras transparentes do jogo eleitoral.
Houve questões sensíveis que marcaram, antes das legislativas do domingo passado, o debate politico entres as diferentes formações políticas concorrentes as legislativas do passado domingo: Dissolução da Assembleia Nacional Popular (ANP), no dia 16 de Maio de 2022 e marcação das eleições antecipadas para 18 de dezembro do mesmo ano, através do decreto presidencial; Formação de um governo de iniciativa presidencial, reconduzindo o então Primeiro Ministro Nuno Gomes Nabiam; Contestação do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) face aos sucessivos processos judiciais e ações policiais de forma a impedir a realização do seu decimo congresso e restrição do direito a circulação do seu Presidente; falta de consenso sobre a vacatura do cargo do Presidente da Comissão Nacional das Eleições (CNE) e, subsequentemente a própria caducidade da CNE; decisão de Supremo Tribunal da Justiça em extinguir 28 partidos políticos com base numa legislação caduca; adiamento das eleições legislativas que tinha sidas marcadas para o dia 18 de dezembro de 2022 e remarcadas para o dia 4 de junho de 2023; a insuficiência da campanha de educação cívica e manifestação de quase todos os partidos políticos relativamente a condução do processo de recenseamento pelo Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral (GTAPE) e incumprimento da lei de paridade na constituição das listas dos candidatos a deputados.
Como sempre, houve também as tensões pré-eleitorais que não favoreciam antecipadamente um clima pacifico no desenrolar do processo das legislativas do domingo passado. Houve, por exemplo, falta de consenso entre seis partidos políticos com representação parlamentar para a eleição dos novos membros do Secretariado Executivo da CNE; os partidos políticos sem assento parlamentar criticavam a sua exclusão no debate sobre a renovação do Secretariado Executivo da CNE e providencia cautelar interposto pelo PAIGC e União para Mudança (UM) no Supremo Tribunal de Justiça.
Durante a campanha eleitoral que decorreu de 13 de maio a dois de junho de 2023, não houve grande incidentes. Todavia, a Célula de Monitorização das Eleições da Sociedade Civil registou alguns acontecimentos considerados de "graves incidentes" que podem ser o pronuncio de uma crise eleitoral na fase de divulgação e de aceitação dos resultados eleitorais das legislativas do passado Domingo cujo escrutínio provisório será anunciado na próxima quarta-feira dia sete de junho.
No decorrer da campanha eleitoral alguns lideres dos partidos políticos não esconderam a posição que irão assumir depois de anúncios dos resultados eleitorais. Houve trocas de palavras e fortes posionamentos de alguns lideres dos partidos políticos que deixam antever que o cenário pós-eleitoral não será, como sempre, fácil de acabar com a cultura politica de não aceitação dos resultados na Guiné-Bissau.
O líder do Partido da Renovação Social (PRS), Fernando Dias garantiu que qualquer eventual manipulação dos resultados eleitorais do seu partido terá consequências imprevisíveis. Por outro lado, a Célula de Monitorização Eleitoral da Sociedade Civil lamentou que houve durante a campanha eleitoral o uso de linguagens violentas e de divisão étnico-religiosa por partes dos partidos políticos e os seus apoiantes.
Também houve uma utilização indevida da imagem do Presidente da República na campanha eleitoral pelo candidato do Movimento para Alternância Democrática - Grupo dos 15 (MADEM G15) e declaração pública do Presidente da República Umaro Sissaco Embaló de não nomear, Presidente e Vice-Presidente do PAIGC mesmo em caso de vitória do seu partido e tentativa de compra de consciência durante a campanha eleitoral mediante a distribuição de dinheiro, bens materiais e alimentares foram os incidentes que podem acelerar ainda mais a cultura politica eleitoral de não aceitação dos resultados que sempre reinara em todos os processos das eleições realizadas até a data presente na Guiné-Bissau.
Estes incidentes evidenciados pela Célula de Monitorização Eleitoral da Sociedade Civil pode ser uma prova de uma preparação de tensão política para depois de o anuncio dos resultados provisórios na próxima quarta-feira. Aliás, como sempre, o problema das eleições na Guiné-Bissau não reside no processo de votação popular onde os eleitores guineenses costumam votar sempre num clima de festa e de harmonia em todo o território nacional. A questão de fundo de todas as eleições realizadas na Guiné-Bissau até hoje (7 legislativas - incluindo as legislativas do passado domingo - e 6 presidenciais) reside na inexistência de uma cultura democrática de aceitação dos resultados eleitorais pelos candidatos e os partidos políticos que concorrem as eleições legislativas e presidenciais desde que o país aderiu ao sistema multipartidária.
Os próximos sete dias serão fundamentais na vida da população e do sistema democrático da Guiné-Bissau para saberem se realmente os 20 partidos políticos e duas coligações que concorreram às eleições legislativas do passado domingo aceitarão ou não os resultados provisórios que a CNE divulgara na próxima quarta-feira dia sete de junho.
Não obstante Secretário Executivo Adjunto da CNE Idrissa Djaló garantir que "no ato de votação, no domingo passado, não se constou nenhumas situações dignos de registo que possam atrofiar o processo" das legislativas do domingo passado e que a sua organização se confrontou com algumas situações que mereceram atenção minuciosa da CNE.
A situação, por exemplo, de eleitores cujos nomes não constavam nos cadernos dos eleitores, mas que são portadores dos cartões eleitores. Não se trata de problemas de índole informático, mas de falta de diligência dos próprios cidadãos eleitores que não aproveitaram o período de reclamação para corrigir as irregularidades e omissões verificadas no período de recenseamento eleitoral.
Todavia, Idrissa Djaló exortou a população eleitor da Guiné-Bissau para manter calma, serena e vigilantes de forma a permitir que os princípios e valores de integridade eleitoral granjeados pela CNE sejam preservados enquanto a conquista democrática da Guiné-Bissau. E disse ainda estar convicto que as eleições do passado domingo decorreram num clima de muita cordialidade, cooperação e solidariedade entre as partes e que acabaram por vincar os alicerces de uma eleição ordeira e pacifica.