Guerra naval no conflito entre Rússia e Ucrânia
Oconflito no mar entre os dois países se desenrola sob características específicas nos campos diplomático, geográfico e militar-naval.
No âmbito diplomático, o Mar Negro está sujeito à Convenção de Montreux, que permite à Turquia controlar o acesso através dos estreitos de Bósforo e Dardanelos de navios das Marinhas de Guerra de países envolvidos em conflitos na região.
No âmbito geográfico, o conflito se dá em uma área marítima restrita, nas proximidades do litoral. Além do mais, o acesso ao Mar de Azov é realizado através de uma área marítima ainda mais confinada, que é o Estreito de Kerch. Essas peculiaridades geográficas se estendem para a posição da Península da Crimeia, que se projeta no Mar Negro em uma posição central, facilitando o controle do tráfego marítimo pelas forças navais russas sediadas em Sebastopol, principal base naval russa na região. Ela havia sido alugada à Rússia após a independência da Ucrânia, em um contrato de leasing que acabaria em 2017 e que a Ucrânia ameaçava não renovar. No entanto, em 2014, no primeiro conflito que envolveu os dois países, a Rússia anexou toda a península.
Em relação ao âmbito militar-naval, a Marinha ucraniana praticamente não existe, pois, no conflito de 2014, perdeu cerca de 70% das suas unidades e cerca de 75% do pessoal que a compunha. Em 2018, a Ucrânia aprovou a Estratégia das Forças Navais Ucranianas até 2035. O documento mostra que o país decidiu adotar uma estratégia de negação do uso do mar, semelhante ao conceito naval da Jeune École, considerando a incapacidade da Ucrânia, em futuro previsível, de possuir forças navais em paridade com a capacidade naval russa no Mar Negro. Essa estratégia se fundamenta em meios navais de pequeno porte e grande velocidade, dotados, preferencialmente, de mísseis, e no uso de minas, a fim de tentar responder assimetricamente à ameaça do poder naval russo. No atual conflito, tentando negar o uso do mar aos russos, a Ucrânia minou áreas do golfo de Odessa e logrou afundar alguns meios navais russos, sendo os mais importantes o navio de desembarque anfíbio Saratov e o cruzador Moskva, usando foguetes ou mísseis, lançados de drones ou de terra com a ajuda dos EUA e seus aliados.
Por outro lado, a Rússia, antes da invasão da Ucrânia, deslocou meios navais para reforçar a sua esquadra no Mar Negro, evitando a possibilidade de a Turquia alegar a Convenção de Montreux após o início das hostilidades. Estima-se que essa esquadra conte hoje com algumas dezenas de navios de diversos tipos. Sendo assim, é inegável que a Rússia tem uma imensa superioridade naval em relação à Ucrânia.
Nesse contexto, um dos objetivos da estratégia naval russa é o bloqueio do Mar de Azov, onde a Ucrânia possuía dois portos, Mariupol, terceiro maior porto da Ucrânia, e Berdyansk, isolando uma região importante onde se trava em terra o combate para o domínio de uma parte da Ucrânia que liga a região separatista de Donbass à Crimeia. Com a conquista desses portos os russos passaram a controlar todo o Mar de Azov, o que facilitará o esforço logístico para as tropas no terreno. Além disso, os russos controlam as linhas de comunicação marítimas de acesso ao porto de Odessa e a outros diversos portos marítimos e fluviais ucranianos situados nas regiões próximas a essa importante cidade. Essa tarefa é facilitada pela posição estratégica da base naval russa sediada em Sebastopol e pela conquista da Snake Island, que vem sendo palco de ataques ucranianos, visando a retomada da mesma, até ao momento, sem sucesso. O bloqueio naval russo corta as linhas de comunicações marítimas da Ucrânia, impedindo, inclusive, a exportação de grãos.
Face à superioridade de meios e à posição central de Sebastopol, pode-se afirmar que a Rússia detém o que Mahan chamava de comando do mar, ou seja, a capacidade de utilizar o mar para atingir os seus objetivos militares, enquanto, ao mesmo tempo, nega aos ucranianos o uso do mar, embora eles possam executar ataques limitados contra as forças navais russas, principalmente, a partir de terra. A dinâmica do conflito no mar mostra que as forças navais russas, apesar das perdas, têm desempenhado um papel importante no conflito. Elas bloqueiam as linhas de comunicações marítimas ucranianas, projetam poder sobre terra por meio de bombardeio naval e lançamento de mísseis, e apoiam positivamente as forças terrestres por meio do transporte de tropas e material.
Apesar da forte resistência ucraniana, o resultado do conflito até agora favorece a Rússia, apesar das perdas materiais e humanas. A Ucrânia pode ainda continuar lutando por muito tempo com o intenso apoio dos EUA e seus aliados. No entanto, como a guerra não pode durar para sempre, a paz terá de ser buscada. E quanto mais se retardar a busca pela paz, mais sofrimento e destruição a guerra causará.
Almirante (Ref). Doutor em Relações Internacionais (PUC-Rio). Membro do Grupo de Avaliação da Conjuntura Internacional (GACINT-IRI/USP)