Guerra entre grupos criminosos gera onda de mortes nas prisões

Primeiro Comando da Capital (de São Paulo) e Comando Vermelho (do Rio) em conflito após assassínio do rei do tráfico no Paraguai. Situação preocupa governo
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Num domingo de outubro, Vida Loka, de 33 anos, despedia-se da mulher no portão da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, no estado do Roraima, e voltava para a cela quando teve o crânio esfacelado por pedras atiradas por um grupo rival. Vida Loka, nome no mundo do crime de Waldineys de Alencar Sousa, numa tosca alusão a Walt Disney, era o líder local do Comando Vermelho (CV), a segunda maior organização criminosa do Brasil. Os presos que o mataram, depois de destruir cadeados e esburacar muros até chegar à sua ala prisional, são do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa do país.

Vida Loka trocara o PCC pelo CV, outrora aliados mas desde há dois meses rivais, por se sentir estagnado na primeira - nas organizações criminosas, como no mundo empresarial, há responsabilidades, cargos e salários hierarquicamente definidos. E regras: "Aquele que pedir para sair poderá ser visto como traidor e o preço da traição é a morte", diz o artigo nono do estatuto do PCC que Vida Loka violou. Na mesma operação, outros nove integrantes do CV na cadeia de Boa Vista acabaram mortos, uns decapitados, outros queimados vivos. Nos três dias seguintes ao macabro episódio do Roraima, oito presos foram asfixiados até à morte e dois ficaram feridos na cadeia Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho, na Rondônia; estalou um motim em Pacatuba, no Ceará; 25 membros de um grupo criminoso invadiram uma penitenciária de Rio Branco, no Acre; em três prisões de Manaus, no Amazonas, houve ameaças de rebeliões; e, novamente em Rio Branco, foram mortos três e feridos 20 presos numa briga de grupos de traficantes num estabelecimento prisional.

Vida Loka foi apenas mais uma vítima de um conflito, de proporções continentais, entre o PCC e o CV, cuja declaração de guerra foi proferida semanas antes num "salve", ou seja, num manuscrito circular assinado pela "sintonia final", o grupo de chefes supremos do PCC, que uma reportagem da revista Época divul- gou. "Há muito tempo estamos procurando a liderança do CV para mantermos a harmonia e corrigir de ambos os lados situações que fogem do bom convívio e até da ética do crime (...) não tivemos atenção (...) estamos prontos para uma guerra com o CV (...) não concordamos com essa guerra que beneficiará somente a polícia mas não podemos nos omitir", diz o documento.

PCC e CV viveram em trégua até junho quando, ainda juntos, levaram a cabo a operação na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, na fronteira entre o Paraguai e o Brasil, que matou o traficante brasileiro Jorge Toumani, de 56 anos, que dominava sozinho a região sem prestar contas às duas organizações. Toumani viajava num jipe, escoltado por três carros, quando num cruzamento foi surpreendido por uma rajada de mais de cem tiros, incluindo alguns de uma metralhadora antiaérea. O procurador de justiça de São Paulo Márcio Christino disse ao Estado de S. Paulo que após o assassínio de Toumani, o CV apercebeu-se de que o PCC, em vez de partilhar a região em causa, passou a dominá-la sozinho: "Quando o CV percebeu já era tarde porque o PCC tomou aquele trecho vital do tráfico." O CV acentuou então a política de se aliar a pequenos grupos criminosos de todo o Brasil que se opõem ao PCC e a guerra estalou.

O Ministério da Justiça, através do ministro Alexandre de Moraes, classificou a situação de "gravíssima" e começou a enviar para o Roraima armamentos, aparelhos de raio x, viaturas, escudos, pistolas e coletes à prova de bala, herança do aparato de segurança dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, para munir os elementos da Força Tática local. Em paralelo, os sete membros do PCC suspeitos do assassínio de Vida Loka foram transferidos de avião para uma cadeia do Rio Grande do Norte para não serem alvo do contra-ataque do CV numa aparatosa operação policial chamada Cartas Marcadas. Vida Loka, temendo pela própria vida, havia solicitado uma transferência em agosto mas, por não ser atendido a tempo pelas autoridades, morreu apedrejado.

Em São Paulo

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