Guerra agrava subida do preço dos materiais de construção e ameaça setor
A guerra na Ucrânia veio agravar a escalada abrupta do preço das matérias-primas e dos materiais de construção. A trajetória de forte subida já se vinha a sentir há um ano e, agora, o conflito armado só veio agudizar a situação. Como alerta Reis Campos, presidente da AICCOPN (associação que representa a indústria da construção), na véspera da intervenção militar russa na Ucrânia, as cotações do aço em varão para betão na bolsa de Londres registavam um crescimento de 6% desde o início do ano, o alumínio subia 18% e o cobre 3%. Desde esse dia e num espaço de duas semanas, o aço subiu 14,9%, o alumínio 19,9% e o cobre 7,2%.
Com esta conjuntura, as empresas de construção já anteveem uma travagem no crescimento da atividade e sérias dificuldades para a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). É que à subida dos preços dos materiais, há ainda que acrescentar os custos da energia e dos combustíveis, que atingiram máximos históricos, e a recorrente falta de mão-de-obra. Nesta matéria, a integração dos refugiados ucranianos no setor é uma boa notícia, mas não uma solução para o curto prazo.
"As pressões inflacionistas e a incerteza acrescida afetam a confiança dos investidores e as suas expectativas para os projetos previstos" e "poderão impactar negativamente o crescimento esperado do setor, caso esta tendência de agravamento se mantenha", avisa Reis Campos. O responsável lembra ainda que estes aumentos históricos dos preços "criam dificuldades acrescidas para a concretização dos projetos" do PRR, "já que provocam uma grande incerteza quanto à evolução dos custos de construção". A execução das obras "não está em causa", assegura, mas "é prioritária a adoção imediata de mecanismos que salvaguardem o tecido empresarial" desta turbulência.
Na sua opinião, o PRR é "essencial para a recuperação da economia portuguesa e os impactos gerados pelo conflito armado na Ucrânia não podem pôr em causa os projetos". Mas, para isso, volta a frisar, têm de ser definidos preços base realistas para os concursos, fórmulas adequadas de revisão de preços dos contratos para refletir as variações dos custos efetivos e criado um fundo nacional que possibilite aos donos de obra pública fazer face às oscilações de preços nas empreitadas.
A indústria da construção, que carece atualmente de perto 80 mil trabalhadores, foi das primeiras a abrir os braços aos refugiados ucranianos. As empresas estão dispostas a integrar estes cidadãos de forma a colmatar as carências de mão-de-obra, mas reconhecem dificuldades e todo um percurso a fazer. As construtoras Garcia Garcia e Vialsil, ambas com trabalhadores estrangeiros nos seus quadros, já manifestaram às entidades competentes a sua disponibilidade em recrutar cidadãos ucranianos, e a própria AICCOPN associou-se à iniciativa lançada pelo governo, a plataforma "Portugal for Ukraine", que permite às empresas apresentar as suas ofertas de emprego a estes cidadãos. Contudo, não deixam de lembrar que o sucesso deste acolhimento exige um processo de integração, formação e aprendizagem da língua portuguesa.
A construtora Garcia Garcia diz que um trabalhador qualificado demora alguns anos a formar, sendo que essa capacitação é essencialmente prática e "on the job". Mas os centros de formação do setor - CICCOPN e CENFIC - podem acelerar este processo, desenhando programas orientados, personalizados e em contexto imersivo, defende a empresa.
Reis Campos diz que as duas escolas do setor não têm, por motivos políticos e estratégicos, cumprido o seu papel, mas podem inverter esta situação se lhes for assegurada "flexibilidade e mecanismos de resposta rápida às necessidades que forem surgindo". O líder associativo sublinha que a construção tem pela frente o grande desafio da modernização, assente em domínios como a Construção 4.0, a pré-fabricação, a fabricação aditiva, a robótica e a transformação digital, e neste salto qualitativo "a oferta formativa por parte do CICCOPN e do CENFIC pode e deve desempenhar um papel essencial e permitir a qualificação dos trabalhadores que entendam ingressar" na atividade.
A construtora Casais lembra que, nesta fase, o fluxo migratório dos refugiados ucranianos está muito assente em mulheres e crianças, mas "com a industrialização do setor, com a introdução de processos de construção mais sustentáveis e com a diversidade de tipo de negócios que o grupo tem, existem várias funções que podemos atribuir a perfis femininos por serem tarefas mais leves e com componente mais estável para promover o equilíbrio familiar". Com presença em 17 mercados e trabalhadores de 30 nacionalidades, a Casais considera estar "preparada e capacitada para acolher e promover todas as vertentes logísticas, sociais e administrativas inerentes a estes processos de integração".
Para o CEO da Vialsil, Paulo Portela, "estas soluções para a resolução do problema da falta de mão de obra serão sempre paliativas", pois grande parte destes trabalhadores procura voltar sempre ao país de origem. Como sublinha, "só acredito que possam estabelecer-se definitivamente se forem criadas condições para que as famílias venham juntas e se fixem no nosso país". Na Vialsil, a política para os trabalhadores estrangeiros é igual à dos nacionais: as mesmas condições remuneratórias, seguro de saúde e prémios de produtividade. Nos primeiros seis meses do contrato dos colaboradores estrangeiros, a empresa assume o pagamento da renda de casa.
sonia.s.pereira@dinheirovivo.pt