O fotógrafo venezuelano Ronaldo Schemidt ganhou o World Press Photo 2018, o prémio máximo do fotojornalismo, com uma foto tirada em maio de 2017 nas ruas de Caracas. A imagem mostrava um manifestante em chamas, depois de o tanque de combustível de uma motocicleta ter explodido, durante os protestos contra o presidente venezuelano, Nicolás Maduro..Um ano depois da vitória, o fotógrafo da AFP que vive no México respondeu por escrito às perguntas do DN sobre a atual situação do seu país natal, onde continua o impasse entre Maduro e o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, que assumiu a presidência interina da Venezuela, com o apoio de mais de meia centena de países, incluindo Portugal. E lembrar a história da foto que lhe valeu o prémio..Há um ano ganhou o World Press Photo com uma fotografia de um manifestante venezuelano em chamas. Você é venezuelano, vive no México, mas já voltou várias vezes ao seu país natal. Que mudança notou nas ruas? A situação em geral é bastante pior, a economia está muito mais deteriorada, há mais delinquência e violência por causa disso, a qualidade de vida é pior. Sinto que a população em geral vai perdendo a esperança de estar melhor no seu país..Como é fotografar agora na Venezuela? Para mim, fotografar agora na Venezuela é mais ou menos igual, mudaram os fatores, já não há protestos violentos, a situação económica é muito pior, mas em geral tens de entender a história que estás a cobrir, que é bastante complicada, é preciso ter atenção à criminalidade dos "coletivos"que apoiam o governo que não quer uma imprensa independente..Teve algum problema em regressar depois de ganhar o prémio? Não tive mais problemas do que qualquer outro fotojornalista que vai trabalhar na Venezuela, estar muito dependente de tudo o que te rodeia em geral..Ganhou o prémio com uma foto dos protestos, mas as últimas fotografias que publicou da Venezuela no seu Instagram mostram antes a crise económica que se vive no país. Esse é hoje o principal problema da Venezuela? Eu acho que é o principal problema, mas não podemos esquecer-nos de que a criminalidade é outro dos grandes problemas da população venezuelana. A Venezuela é um dos países mais violentos do mundo e isso complica muitíssimo o dia-a-dia dos cidadãos..Uma das principais mudanças na Venezuela no último ano foi Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional que se declarou presidente interino em janeiro. O que representa para si Guaidó? Para mim, Guaidó representa a possibilidade de uma mudança, que espero que seja democrática, como devia de ser qualquer mudança política em geral. Ele é só uma parte de tudo o que se deve transformar na Venezuela, não o vejo como um messias que podia solucionar muitos dos problemas do país. Não acho que Guaidó seja um salvador, é só mais uma peça na grande mudança de que a Venezuela precisa. Para mim é a pessoa que poderá ser o princípio de algo diferente. E entendo que a população é que tem a grande responsabilidade de mudar o país..Apesar de Guaidó se ter declarado presidente interino, o presidente Nicolás Maduro não parece disposto a ceder. Como acha que isto vai terminar? A Venezuela e a sua sociedade são bastante difíceis de prever. É quase impossível saber o que vai acontecer ou como terminará o que está a acontecer ali. Eu só espero que, se houver uma mudança, seja pacífica, democrática e que beneficie a população..Que papel tem a comunidade internacional nesta situação? Teme que possa haver uma intervenção militar dos EUA na Venezuela? A comunidade internacional poderá desempenhar um papel importante para negociar uma saída para este conflito de maneira pacífica e democrática. Não acho que possa haver uma intervenção militar dos EUA na Venezuela, já não estamos no tempo desse tipo de ações que, além disso, duvido de que sejam positivas para o país e para a região..Qual foi o impacto da vitória no World Press Photo? Para mim o mais importante foi que se soube de maneira massiva o que estava a acontecer na Venezuela. Já estávamos há meses a trabalhar nesse conflito, os meus colegas da AFP, outros companheiros fotógrafos e jornalistas. O facto de ganhar o prémio fez que tornasse mais visível uma realidade terrível..Que memórias tem do dia em que fez aquela fotografia? Lembro-me de que foi um dia muito violento, que os confrontos entre os manifestantes e as autoridades eram muito fortes e duravam muito tempo, a repressão foi incrível, e sobretudo que uma pessoa inocente sofreu a terrível tragédia de ficar queimada quando estava numa manifestação a defender o que considerava o seu direito legítimo aos protestos. Para mim foi um dia eterno, sentia que não acabava, um dia esgotante e perigoso. Com muitos feridos, uma violência desnecessária..Voltou a ver José Víctor Salazar Balza, o jovem em chamas da sua fotografia? Não voltei a ver José Víctor, eu voltei ao México, ele ficou em tratamento, a recuperar-se, eu voltei a Caracas algum tempo depois, já não pude estabelecer contacto, regressei de novo ao México e não soube nada. Algum tempo depois, li uma entrevista da sua irmã e há uns meses escreveu-me e falámos bastante. Isso deixa-me muito contente, sei que está muito melhor e recuperado, com pensamentos muito positivos. Como lhe disse uma vez, éramos desconhecidos, mas esta história uniu-nos para sempre.