Grupos de interesses. Portugueses confiam menos na Igreja e nos sindicatos
Os grupos de interesses no Sistema Político Português" é o título do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), coordenado pelo investigador Marco Lisi, que é apresentado hoje e onde se traça o retrato das organizações representativas da sociedade, o modo como os portugueses as veem e o impacto que têm junto dos decisores políticos.
O estudo permitiu concluir que estes grupos - em que se incluem os sindicatos, estruturas patronais, ordens profissionais, associações ambientais, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e a Igreja, entre outras - desempenham importantes funções nas democracias representativas. Contribuem para neutralizar ou diminuir os conflitos existentes no sistema político; potenciam os canais de participação dos cidadãos; são um fonte de informação para os decisores políticos e para a opinião pública; e reforçam os mecanismos de responsabilização dos governantes.
Mas estas associações também têm o reverso, ou seja, potenciais feitos negativos. A reivindicação de interesses particulares pode dar origem a políticas clientelares que põem em causa o interesse da coletividade; podem causar pressões excessivas sobre os decisores políticos e as organizações com mais recursos sobrepor-se aos atores mais fracos.
DestaquedestaqueQuanto às instituições políticas a influenciar, "na ótica dos grupos de interesse, a arena parlamentar é considerada secundária em comparação com a arena governamental".
Através do inquérito que realizaram, os investigadores envolvidos concluíram que os clubes e as associações desportivas são as organizações com maiores níveis de associativismo. Entre 2001 e 2020 verificou-se uma tendência de aumento para a pertença a organizações, à exceção das de cariz religioso.
As organizações da sociedade civil mencionadas como as mais representativas das opiniões são as ambientalistas, as de solidariedade social e as locais. E são os sindicatos e as organizações religiosas ou ligadas à Igreja as que são referenciadas como as menos confiáveis. Os investigadores concluíram que "boa parte dos portugueses considera que os grupos de interesses servem sobretudo os seus próprios interesses e deposita pouca confiança neles".
"Os grupos de interesses utilizam um vasto leque de estratégias e instrumentos para tentar influenciar as políticas públicas", refere o estudo. Dos cidadãos que inquiriram destacam a elaboração de pareceres técnicos, a intervenção nos meios de comunicação social e o contacto direto com os políticos. E admitem que "pouco se sabe ainda sobre como os grupos de interesse em Portugal utilizam as redes sociais". Sobre as instituições que os grupos mais procuram influenciar, o Governo surge à cabeça, a que se segue o Parlamento, as autarquias, o Presidente da República e, por fim, as instituições europeias e os tribunais.
Mas o envolvimento associativo em Portugal, diz o estudo, caracteriza-se pelo "reduzido número de membros" e a participação política em Portugal, independentemente do tipo de associação ou tipo de participação em causa, "é genericamente inferior à maioria dos países europeus".
Neste estudo foi também analisado a visibilidade dos grupos de interesse na comunicação social e num universo de 1342, os empresariais são os mais mencionados, seguidos dos sindicais, associações profissionais, grupo identitários. Os grupos de lazer e institucionais têm uma menor expressão.
As duas centrais sindicais - CGTP e UGT - são as que recolhem maior número de menções. Com grande representatividade nos media aparecem também a Ordens dos Médicos e dos Advogados, a ANMP e as associações ambientais Quercus e a de consumidores DECO.
Dos temas que se encontram associados a estes grupos, a Justiça e crime, assuntos governamentais, Saúde, Educação e Trabalho foram os que deram origem a maior número de notícias. No extremo oposto, com fraca atenção mediática, incluem-se temas como energia, habitação, imigração, investigação e desenvolvimento.
DestaquedestaqueAs duas centrais sindicais - CGTP e UGT - são as que recolhem maior número de menções. Com grande representatividade nos media aparecem também as ordens dos Médicos e dos Advogados.
Quanto às instituições políticas a influenciar, "na ótica dos grupos de interesse , a arena parlamentar é considerada secundária em comparação com a arena governamental". Ainda assim, há um investimento nas atividades das comissões parlamentares "na tentativa de influenciar o processo legislativo", tal como há um relacionamento com outros atores parlamentares, como deputados e grupos parlamentares. São sobretudo as associações empresariais e os sindicatos que investem neste campo.
"Na falta de regulação do lóbi, as interações informais entre decisores políticos e grupos de interesses assumem um papel fundamental na arena política", afirma-se no estudo.
Um das questões-chave sobre grupos de interesses, assumem os investigadores, é saber até que ponto estes podem influenciar as decisões políticas. Foram selecionadas quatro leis aprovadas durante a XIII Legislatura (2015-2019) - lei sobre a sindicalização das forças policiais, aprovação da gratuidade dos manuais escolares, revisão da lei sobre procriação medicamente assistida (PMA) e a lei sobre as taifas reguladas do mercado de energia - para determinar em quais houve influência dos grupos de interesses.
A conclusão foi que "o impacto dos grupos na arena parlamentar foi limitado, mas não insignificante". No caso da PMA e da energia, não houve alterações relevantes em sede parlamentar, e vários grupos não intervieram no processo apesar de serem potencialmente afetados. Já na sindicalização das forças policiais, a mobilização dos grupos contribuiu "para alterar a questão (polémica) da liberdade de expressão, ou chamada "lei da rolha", relativa às proibições de manifestações e opiniões por parte de agentes policiais.
Destaquedestaque"Boa parte dos portugueses considera que os grupos de interesses servem sobretudo os seus próprios interesses", merecendo "pouca confiança", diz o estudo.
No caso da lei sobre manuais escolares gratuitos, "houve uma mobilização posterior de alguns grupos ligados ao ensino privado, que pressionaram os decisores através da opinião pública, promovendo a recolha de assinaturas para uma petição a ser apresentada e discutida no Parlamento".
Segundo o estudo - que teve mais seis investigadores envolvidos além de Marco Lisi, no caso António Luís Dias, João Gaio e Silva, João Loureiro, Pedro Nunes, Rui Oliveira e Sofia Serra-Silva - "vários tipos de grupos de interesse intervêm no processo legislativo para influenciar as políticas públicas e moldar os temas em debate. No entanto, muitos grupos acabam por ser espetadores que ó se mobilizam quando a decisão ou o resultado de uma política afeta diretamente os interesses ou as preferências da sua organização".
paulasa@dn.pt