Gregory Peck: A vida cheia do leal cavalheiro
Eis um daqueles casos que, a concretizar-se, poderia ter mudado a história: em 1970, Gregory Peck esteve muito perto de se candidatar a governador da Califórnia, procurando impedir a reeleição de Ronald Reagan. Valeria como um duelo de atores e, se a qualidade acumulada dos respetivos desempenhos na 7.ª arte fosse levada em conta, o democrata Peck esmagaria o opositor republicano, provavelmente impedindo que Reagan chegasse, mais tarde, à presidência dos Estados Unidos.
Não foi a única vez que este homem nascido em La Jolla, hoje inserida na área metropolitana de San Diego, esteve próximo de assumir um papel de político com poder efetivo: antes, o presidente Lyndon Johnson, que lhe atribuiu a mais alta condecoração civil norte-americana, a Medalha da Liberdade, fez saber que, no caso de alcançar a reeleição, nomearia Gregory Peck como embaixador dos EUA na República da Irlanda, aproveitando as raízes familiares do ator. Johnson acabou por não concorrer a um segundo mandato completo, muito por culpa de um assunto que motivou a maior discordância com Peck: a política do país face à guerra do Vietname, a que o ator se opunha frontal e publicamente.
A ação cívica de Peck, um cavalheiro capaz de uma militância pouco praticada por muitos dos seus colegas de profissão, acompanhou-o toda a vida. Marchou ao lado de Martin Luther King em defesa dos direitos dos negros - e, todos estes anos depois, há quem defenda que esse envolvimento na causa ajudou a que fosse ele o escolhido para encarnar Atticus Finch, o corajoso advogado de Na Sombra e No Silêncio (ou To Kill a Mockingbird), filme de Robert Mulligham baseado no livro de Harper Lee, que rendeu ao ator principal a conquista do Óscar.
Atticus Finch, que Peck indicava sempre como a sua personagem favorita (com alguma vantagem sobre as figuras de Abraham Lincoln, do general MacArthur, do escritor Scott Fitzgerald e do bíblico Rei David, que também desempenhou), acabou por ser escolhido como o maior herói do cinema num inquérito do American Film Institute, em 2003, à frente de... Indiana Jones.
Antes disso, durante a caça às bruxas promovida pelo senador Joseph McCarthy, Peck foi um dos que assinou uma carta de protesto contra os interrogatórios aos profissionais de Hollywood, depois de ter sido avisado que tal poderia prejudicar a sua carreira. Quando uma crise da indústria automóvel pôs em risco 600 mil postos de trabalho na Chrysler, Peck voluntarizou-se para dar voz, de forma gratuita, a uma campanha publicitária da marca. Em 1987, lado a lado com Martin Sheen, Burt Lancaster e Lloyd Bridges, assumiu a narração de um anúncio que contestava a nomeação, por Ronald Reagan, do ultra-conservador juiz Robert Bork para o Supremo Tribunal de Justiça - com êxito, Bork nunca veria a escolha confirmada. Foi presidente da liga americana de combate ao cancro.