"Grécia vê o que acontece em Portugal como uma boa experiência para a Europa"

Economia grega vai crescer neste ano quase 2% e mais de 3% em 2018, diz o ministro para a Europa, Georgios Katrougalos. De visita a Lisboa, o professor de Direito, que é militante do Syriza, falou do pós-austeridade e da defesa do modelo social europeu.
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Há dias, o primeiro-ministro Alexis Tsipras prometeu uma nova Grécia. O que significa e quando? Já em 2018, com o fim do memorando, ou em 2019, após eleições?

Uma nova Grécia começou logo quando chegámos ao governo. Porque tivemos de mudar dois aspetos muito resilientes da Grécia: o sistema político, muito feito de clientelismos, e também o sistema produtivo caracterizado pelas interconexões entre oligarcas, media e partidos e por um crescimento económico baseado no consumo público e privado financiado pela dívida. Assim, os dois pilares da política e da economia grega tinham de ser mudados. É o que temos feito. E agosto de 2018 é uma data-chave, porque marca a saída da Grécia do memorando e não se pode desenvolver uma política autónoma e soberana se estivermos sob a tutela e supervisão dos credores.

Como descreve a economia grega neste momento?

Foi um crescimento tímido nos dois primeiros trimestres de 2017, mas tivemos uma época turística recorde e esperamos no terceiro trimestre um crescimento de 3% e em termos anuais perto de 2%. E a previsão para 2018 é de 3,1%. Mas o verdadeiro desafio não são os números, é a nova orientação que queremos dar à economia e que passa por ganhar competitividade aproveitando as nossas vantagens comparativas. Pela nossa posição geopolítica somos uma ponte natural entre a Ásia, África e a Europa e os portos de Pireus e Salónica já são portas importantes, não só para a China mas para outras potências económicas asiáticas. Queremos fazer da Grécia uma espécie de hub logístico e de transportes e, claro, de energia, porque muitos pipelines vão passar por nós. A segunda vantagem é que temos um setor primário único, com uma biodiversidade que nos dá plantas que não existem noutros locais da Europa, e agora precisamos de indústria ligeira que embale e venda esses produtos noutros mercados. O exemplo clássico é o azeite, que vendemos em bruto à Itália e depois é embalado lá como azeite italiano. A terceira vantagem é uma que partilhamos com Portugal, o termos a mais educada geração grega de sempre, mão-de-obra dotada, e temos de deixar de a perder para a emigração.

Aponta a situação geopolítica como uma vantagem, mas também tem inconvenientes. Como está a Grécia a lidar com a chegada de refugiados e migrantes?

Tem razão. Sermos a porta da frente da Europa traz para nós, como para a Itália, um grande problema. Mas a questão dos migrantes não pode ser resolvida a nível nacional, pois é um problema europeu. Por isso, a Europa tem de ser mais solidária, não pondo tanta carga nos países de primeira entrada, como o nosso, e assumir as decisões já tomadas, com cada país a aceitar a sua quota justa, como Portugal fez. Portanto, não se trata tanto de solidariedade como de cumprir as regras e fazer parte de uma comunidade.

Os gregos esperavam mais solidariedade da Europa, certo?

A solidariedade funcionou até certo ponto. Continuamos a ter um problema na Europa, que é a política de austeridade que prevalece. Isso tem sido um desastre para a Europa periférica e é um problema para a Europa como um todo. Comparemos com a performance dos EUA: sob Obama, os americanos seguiram políticas económicas expansivas, aumentaram o salário mínimo, tentaram implementar grandes reformas no sistema de saúde. Se olharmos para as nossas sociedades, para o crescimento das desigualdades, da pobreza, o encolher da classe média, vemos que os resultados na Europa são piores. Por isso, defendo que precisamos de uma grande reorientação das políticas na Europa, não só baseada na solidariedade mas na necessidade de regresso do modelo de social europeu, entendido como combinação de desenvolvimento económico com os valores que consideramos definidores da Europa.

Até que ponto são importantes para a Grécia as eleições alemãs de hoje?

Bem, a Alemanha não é um país em que o sistema político pareça estar prestes a mudar de forma drástica, como aconteceu em França. O maior desafio será ver como a liderança alemã vai responder às propostas do presidente Emmanuel Macron para uma nova governação económica na Europa. Entendo que seja quem for o líder alemão, não poderá ignorar essas propostas, precisamente porque não é possível o veículo europeu avançar apenas com uma roda, mesmo que seja de construção alemã.

Chega a Portugal poucos dias depois de termos recebido uma boa notícia: a subida do rating pela Standard & Poor"s. Esta decisão tem importância para a Grécia?

Consideramos o que está a acontecer em Portugal como uma muito boa experiência para a Europa, e não apenas ao nível económico - apesar de estarmos muito felizes por ultrapassarem a austeridade com novas políticas de crescimento, tendo ao mesmo tempo reduzido o vosso défice. Mas o que considero mais esperançoso em Portugal é exatamente esta aliança de forças progressistas. As políticas neoliberais de austeridade baseiam-se na aliança dos sociais-democratas com as forças conservadoras da Europa. Agora vemos mudanças em Portugal. Também no Reino Unido, com Jeremy Corbyn. Os sociais-democratas estão a reorientar--se. Por vezes simplifico este dilema contando que a social-democracia enfrenta uma escolha entre a pasokização e a corbynização. Ou seja, ou se evapora, se continuar como no passado, ou liga-se às suas raízes: sindicatos, proteção dos serviços públicos, direitos sociais, combate às desigualdades.

Está a dizer é que o governo liderado pelo Syriza se identifica com a solução política portuguesa?

Exatamente. Acreditamos que as mudanças na Europa só serão possíveis se tivermos forças como nós e forças como as do atual governo em Portugal. E também outras forças progressistas. Precisamente porque o que está em jogo agora não é o socialismo, é como reconstruir o modelo social europeu.

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