Grandes esculturas com quatro décadas de ideias

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Assim, de repente, estas peças de aço dobrado como se fosse papel ou fita de seda fazem lembrar livros abertos. Caligrafias. Silhuetas de animais. Ângelo de Sousa concorda: "Aquele é um dinossauro de cinco pernas". Formas que nasceram há quatro décadas, moldadas em pedacinhos de metal, e que agora ganharam corpo em trabalhos de grandes dimensões. Ainda Mais Esculturas, a exposição que o artista ontem inaugurou na Cordoaria Nacional, em Lisboa, apresenta 40 dessas obras que lhe permitiram "fazer o gosto ao dedo" passado tanto tempo, um vídeo e a nova série de desenhos.

Faceta menos conhecida de um artista que tem feito da experimentação o seu terreno na pintura, desenho, fotografia ou vídeo, a escultura fê-lo regressar a maquetas e cadernos de anotações antigos quando recebeu o convite para expor no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian - onde até 14 de Maio pode ser vista uma antológica com esses ensaios dos anos 60, 70 e 80, a que se juntam três instalações site specific e vídeos realizados por Nuno Ribeiro.

Por sugestão de Jorge Molder, director do CAM, e Nuno Faria, comissário destas duas exposições complementares, Ângelo de Sousa avançou para o projecto que até 25 de Junho está no Torreão Nascente da Cordoaria. A Câmara Municipal de Lisboa cedeu a galeria e produziu a montagem, o artista pagou as peças. "Não pedi patrocínio nem matrocínio, porque é chato as pessoas estarem a sustentar os meus vícios", diz ao DN. "O que posso fazer, faço".

Relações no espaço

E o que fez Ângelo de Sousa? Esculturas de placas e tiras de aço inoxidável que parecem flutuar no espaço, integrando os reflexos da luz e as sombras projectadas no chão como elementos do próprio trabalho. "Podem-se colocar noutras posições. É a graça". Esculturas em tiras de PVC branco cujas ondulações volumétricas alteram a percepção do chão e das paredes, remetendo (porque lhes dão continuidade) para as famosas peças "invisíveis", suspensas, feitas de fita de aço polido.

Com o escultor Norberto Jorge, também professor na Faculdade de Belas Artes do Porto e com quem trabalhou pela quinta vez, Ângelo de Sousa desenvolveu finalmente, em Agosto de 2005, numa metalúrgica da Maia, projectos de 1965/66. "Esta tem 170 quilos, mas ficou exactamente igual à maqueta", explica, apontando numa obra parafusos e pontos de solda, descomplexificando todo o processo conceptual.

Ainda no piso térreo está o vídeo da instalação que em 1993 apresentou na Alfândega do Porto, no âmbito das II Jornadas de Arte Contemporânea, uma intervenção escultórica com espelhos e som que reconfigurava a posição do espectador.

Nas duas salas do piso superior estão as restantes "criaturas". A "lombriga" de 13 metros de comprimento, como lhe chama, que pesa 80 quilos e tem ao lado o modelo original. As quatro peças em inox que completam outra de ferro, "uma ideia louca para um largo público" que nunca ganhou escala monumental. Ou o "campo de batalha, com estes cavalos mortos e vítimas, como os gessos de Pompeia", vai enumerando o artista, várias vezes premiado e um dos ilustres do grupo Quatro Vintes (a nota final de curso, que o uniu a Jorge Pinheiro, José Rodrigues e Armando Alves).

É também no piso de cima que estão os 33 desenhos, feitos quando ficou sem material devido às férias dos fornecedores. "Só para manter a sanidade". Cada um tem duas datas: a da realização, em Agosto de 2005, e a do primeiro esboço, feito em pequenos cadernos de papel desde a década de 70, com instruções sobre os materiais. A grafite ou pastel, agora todo o corpo foi convocado para o traço, substituindo a mão enquanto instrumento que marca sobre a folha o modelo pré-estabelecido de traços, sombreados e aguadas.

"As esculturas e os desenhos ligam-se quer pela forma quer pelo volume", acrescenta Nuno Faria, o comissário. Funcionando "em contraste" com a antológica da Gulbenkian, a exposição da Cordoaria, refere, amplia não só "o aspecto transversal do trabalho do Ângelo" como "a questão das escalas e o diálogo da sua arte com o espaço".

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