Grande Lisboa sem programa de rastreios do cancro da mama
Apenas um terço dos centros de saúde da Região de Lisboa e Vale do Tejo faz rastreios ao cancro da mama. Tendo em conta o Relatório de Monitorização e Avaliação dos Rastreios Oncológicos em Portugal, que também inclui dados de 2016 sobre os cancros do cólon e colo do útero e foi publicado agora no site da Direção-Geral da Saúde (DGS), a taxa de despistagem dos tumores da mama é ainda menor (27%) entre os agrupamentos de centros de saúde (ACES) e unidades locais de saúde. Isto quando no resto do país a cobertura é de 100%. O Ministério da Saúde já inscreveu verba no Orçamento para alargar programa.
Segundo o documento, elaborado no primeiro trimestre de 2017, de um total de 15 ACES da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), só quatro fizeram rastreios do cancro da mama em 2016, através de um programa com a Liga Portuguesa contra o Cancro (LPCC) que existe desde 1991. Universo entretanto alargado para seis agrupamentos, adianta ao DN fonte da ARSLVT. Todos eles fora dos grandes centros urbanos, nas regiões do Ribatejo e do Oeste. Nesse ano, os agrupamentos das cidades de Lisboa, Setúbal, Loures/Odivelas, Almada/Seixal, Oeiras, em Cascais e Sintra não convocaram nenhuma mulher para fazer exames de diagnóstico à doença por falta de um programa nesta área. E em toda a região - que vai de Abrantes até Setúbal - foram rastreadas apenas 29 mil mulheres entre os 45 e os 69 anos, pouco mais de metade das 57 mil que foram convidadas a fazê-lo nos quatro agrupamentos que têm rastreios.
Aliás, mesmo a nível nacional o número de mulheres que fizeram essa despistagem registou uma quebra de 2015 para 2016 (ver gráfico), para menos de 300 mil. "A aparente diminuição do número de mulheres convidadas para o rastreio do cancro da mama em 2016 deve-se, em parte, a oscilações na população coberta pelo rastreio, devido à sua periodicidade bienal, com particular ênfase na região norte", argumenta o relatório da DGS, elaborado no primeiro trimestre de 2017. "Soma-se a este facto a conclusão em dezembro de 2016 da cobertura geográfica total desta região, levando a que mulheres que começaram a ser chamadas em 2016 só sejam rastreadas efetivamente em 2017."
Em relação à falta de rastreios na ARSLVT, o coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas explica ao DN que grande parte da região não tinha um programa até ao final do ano que agora terminou, que está agora a ser negociado entre a administração de saúde e a Liga contra o Cancro. "O programa é mais difícil de aplicar em regiões urbanas. Falamos de quantidades maiores de população alvo, logo também de meios a serem utilizados. Quando estávamos a generalizar os rastreios a nível nacional foi quando se deu a crise económica, o que impossibilitou que isso fosse feito", acrescenta Nuno Miranda.
Uma explicação partilhada pela LPCC - responsável pelos rastreios em mais três regiões de saúde, Norte, Centro e Alentejo - que admite que as grandes cidades são muito difíceis de cobrir, porque, além dos meios necessários, os utentes preferem ir ao médico de família ou a serviços privados. "Sendo que os nossos rastreios são gratuitos e de grande qualidade", realça o presidente da LPCC . Vítor Veloso adianta ainda que tem a garantia que os programas vão avançar também na Grande Lisboa e em Setúbal. "Agora o Ministério da Saúde já conseguiu inscrever verba para estes programas no Orçamento do Estado, depois de a crise ter agravado a situação."
Entre os constrangimentos transversais a todos os programas de rastreio oncológico apontados pelas administrações de saúde, a sustentabilidade financeira dos projetos vem logo à cabeça, seguida da necessidade de criação de mecanismos de contratação de serviços indispensáveis à sua implementação. Em respostas enviadas ao DN, a ARS de Lisboa garantiu que em todos os centros de saúde da região se fazem rastreios do cancro da mama, embora assuma que "em muitos deles de forma oportunística. Desta forma tem a ARSLVT implementado o rastreio oportunístico do cancro da mama em 100% da sua área geográfica". Na sua resposta ao DN, a ARSLVT informa que no final de novembro do ano passado 46% das mulheres "estavam adequadamente rastreadas para o cancro da mama".
Saliente-se que, tendo por base o próprio relatório da DGS, os programas de rastreio organizado revelam-se mais eficazes do que os oportunísticos (por exemplo, quando a mulher vai ao médico de família, que lhe prescreve uma mamografia) e que a evidência científica é consensual sobre a utilidade de programas de rastreio do cancro para três doenças oncológicas: cancro do colo do útero, cancro da mama e cancro do cólon e reto (ver texto secundário). No caso da mama, levam a uma taxa de redução de mortalidade da ordem dos 30%.
A administração de saúde admite ainda que está em curso o alargamento do Programa de Rastreio do Cancro da Mama através de protocolo entre a ARSLVT e a Liga Portuguesa contra o Cancro, embora "a dimensão e a complexidade" deste programa imponham "um planeamento rigoroso a preceder o alargamento da cobertura geográfica do rastreio populacional do cancro da mama durante o ano de 2018".
Já Vítor Veloso disse esperar ter todos os ACES da região cobertos num prazo de dois anos e deu o exemplo do Norte para ilustrar o que se pode esperar em termos de volume de exames feitos: "Só no Norte fazemos 200 mil mamografias por ano, com um custo que ronda dos dois milhões de euros anuais para a ARS. Calcula-se que para Lisboa seja semelhante."
Destaque em relação à Europa
Apesar das falhas em Lisboa, a nível global, Portugal ocupa uma posição de destaque no contexto da União Europeia. O país registou, em 2014, a maior taxa de mamografias realizadas de toda a Europa, com 84,2%, muito acima da média europeia que foi de 62,8%. Segundo o relatório da DGS, este resultado reflete-se na taxa de sobrevida aos cinco anos do cancro da mama que é de 87,9%, quatro pontos percentuais acima da média europeia que se fixa em 83,8%. A taxa de adesão às convocatórias aumentou de 58% em 2015 para 61% em 2016 e compensou a diminuição no número de convites enviados. "Convém salientar que ainda temos défices na organização dos rastreios mas não das mulheres rastreadas, em que apresentamos níveis até superiores ao do resto da Europa", faz questão de sublinhar Nuno Miranda, que lembra que continuamos a ter os rastreios oportunísticos. "Mas é claro que ao nível da organização queremos igualdade de rastreios em todo o país, não só por questões de equidade mas também de monitorização". Além do alargamento dos rastreios, o relatório aponta também, em termos gerais, a necessidade de ter um sistema informático único para o seu registo e a sua uniformização a nível nacional.
Tendo em conta dados do Health at a Glance, da OCDE, o cancro da mama provoca menos de 30 vítimas mortais por cada 100 mil mulheres portuguesas, quando a média na Europa ronda as 33 vítimas, o que os autores correlacionam com o rastreio. Os tumores malignos da mama são os mais comuns, com 13,8% de incidência em 2012, os dados mais recentes disponibilizados pelo relatório do ano passado.