Conhece bem a Revolução dos Cravos, a foto de capa do seu livro Histoire du Portugal Contemporain é Salgueiro Maia em cima de um blindado. O que o impressionou no 25 de Abril de 1974? A unidade de tempo, local e ação sob a cor dos cravos: em menos de um dia, em Lisboa, uma ditadura com perto de meio século é derrubada sem um fim trágico nem violência maior, graças à ação determinada e corajosa de uma mão-cheia de jovens oficiais e soldados. Um caso raro, senão único, na história mundial, de derrube pacífico de uma ditadura pelos militares. Nada estava escrito por antecedência e tudo podia ter corrido de forma diferente sem a coragem e a capacidade de improviso destes jovens oficiais, entre os quais o capitão Salgueiro Maia. Pelo seu impacto político e pela força simbólica, o 25 de Abril impõe-se como a data-chave do século XX português, daí a escolha para a capa do livro de Salgueiro Maia em cima de um blindado, com um altifalante, como a mostrar a importância da mensagem dos capitães de Abril entregue a Portugal e ao mundo naquele dia..O que pensa de Salgueiro Maia como figura revolucionária? Se o compararmos com Mao, Lenine ou Fidel? Ele próprio não pretendia ser uma "figura revolucionária", ao contrário de outros oficiais como Otelo Saraiva de Carvalho, chamado durante algum tempo de "Fidel Castro português". Salgueiro Maia depressa saiu de cena, passado o 25 de Abril, regressando à sua caserna. Depois disso, ele não teve qualquer papel político, nem como estratega ou ideólogo. A sua personagem encarna a modéstia e a humildade, muitas vezes silenciado e esquecido até à sua morte prematura em 1992. Mas a coragem que ele mostrou no 25 de Abril e o seu papel determinante na queda do regime salazarista, se contrastam com a discrição que assumiu enquanto foi vivo, reforçam a sua aura na memória coletiva. O belíssimo filme Capitães de Abril, de Maria de Madeiros prestou uma homenagem, considerada "romântica", ao "capitão sem medo", colocando-o no centro deste dia 25 de Abril. Tal como o magnífico romance de Lídia Jorge Os Memoráveis, publicado em 2014, com a personagem Charlie 8, cuja viúva lembrava que o 25 de Abril "foi feito por 5000 homens que prometeram uns aos outros que não haveria promoções, nem privilégios, nem distinções e que, acontecesse o que acontecesse, estariam sempre unidos, sem diferenças, nem para bem nem para mal". Esta jura, Salgueiro Maia foi-lhe fiel até ao fim, não aceitando nenhuma distinção. O que lhe dá toda a força e atualidade, sobretudo nestes tempos de covid-19. Uma mensagem intemporal cheia de coragem, solidariedade e humildade, mas sem heroísmos, como recordou estas semanas a luta no Luxemburgo da sua filha Carolina Salgueiro Maia, emigrante portuguesa empregada de limpeza num lar, em protesto contra a falta de luvas e máscaras. As palavras de Catarina ecoam fortemente neste mês de abril: "Esta luta é pela decência. É uma lição que aprendi com o meu pai.".O que tem a revolução portuguesa de tão diferente, quando comparada com outras? Cada revolução é, por essência, singular no seu contexto, no seu desenvolvimento e na sua temporalidade, em resumo, na sua historicidade. Como qualquer revolução, a portuguesa não é estática, com, uma vez passado o 25 de abril, a longa sequência do PREC, cheia de incertezas, de experiências e de criatividade. O caminho e o desfecho desta revolução eram imprevisíveis e não se limitavam a modelos preexistentes. Podemos falar de uma dinâmica de solavancos, acelerações, hesitações e recuos entre 25 de abril de 1974 e 25 de novembro de 1975, passando pelo contragolpe de 11 de março, as eleições de 25 de abril de 1975, o Verão Quente... A revolução não parou de se redefinir ao longo dos tempos, com expectativas e perceções em evolução. Aqui, como noutros sítios, não há uma lei imutável das revoluções. Nem uma visão teológica que a reduzisse a um único fim - a emergência de uma "democracia parlamentar à europeia" - ao deixar perder de vista o seu percurso tenso entre "os que já não podem governar como antes" e os que "não querem mais ser governados da mesma forma", para citar Lenine, bem como as suas esperanças, entre outras, de derrubar o sistema capitalista..Em Portugal fala-se de golpe militar mais do que de revolução. Sendo oriundo do país da Revolução Francesa, acha exagerado falar em revolução para descrever o 25 de Abril de 1974? Falar em golpe militar, organizado por oficiais da Guerra Colonial - o que é, à partida, o 25 de Abril - não é incómodo em si, desde que não se perca de vista o essencial, esta mudança profunda que tornou possível o 25 de Abril, cujos muitos direitos adquiridos ainda estão presentes hoje, por exemplo na saúde, na proteção social ou na educação. E não esqueçamos até que ponto o 25 de Abril constitui um exemplo no mundo inteiro, não só como ponto de partida da célebre Terceira Onda (Samuel Huntington), esta terceira vaga da democratização liberal, mas também como fonte de esperança para milhões de jovens que viram aqueles soldados erguer as espingardas adornadas com cravos vermelhos. Graças aos cravos portugueses, tudo voltou a parecer possível para as esquerdas no mundo, depois do traumatismo chileno de setembro de 1973. Ao voltar a ler a definição de revolução como "mudança brusca e violenta na estrutura política e social de um Estado que se produz quando um grupo se revolta contra as autoridades instituídas, toma o poder e consegue mantê-lo", sem dúvidas que o 25 de Abril corresponde a esta definição. Sobretudo se não esquecermos de lhe juntar a esperança consubstancial a qualquer revolução, a de uma sociedade mais justa e igualitária, que traga emancipação..Em França, que imagem resta hoje da Revolução Francesa? Foi romantizada? Esse é um vasto assunto, de tanto que a Revolução Francesa foi fundadora da nossa modernidade política. "Romantizada" e escravizada para fins políticos, a Revolução Francesa foi-o em excesso durante dois séculos, ao serviços principalmente do romance nacional republicano e de uma dialética heroicização/diabolização das suas principais figuras. Incluindo durante o bicentenário, em 1989, apesar do dever histórico que se devia ter imposto a todos, em vez de um dever de memória encantatório. A famosa injunção lançada por François Furet em 1978 no livro Pensar a Revolução Francesa - "a Revolução acabou" - soava então como um fim de recreação, exprimindo tanto "uma constatação como um desejo", o de mostrar in fine que a Revolução francesa não era nada menos do que a matriz do totalitarismo, invalidando de facto a ideia mesmo de revolução, com a célebre fórmula "a Revolução é um bloco", lançada por George Clemenceau durante a celebração do centenário em 1889, com a Exposição Universal em pano de fundo e a inauguração da Torre Eiffel, servindo a história finalmente para fazer política por outros meios..46 anos depois da revolução portuguesa, pode dizer-se que esta foi um sucesso, se olharmos para a solidez da democracia em Portugal? O 25 de Abril permanece o ato fundador da democracia em Portugal, a pedra angular, esse "dia inicial" em que tudo começou. Separa um "antes" de um "depois", evitando "varrer demasiado lixo para debaixo do tapete do antigo regime", com a limpeza e o exílio, durante um tempo, de parte das elites salazaristas. Após os 18 meses agitados do PREC, a frágil democracia portuguesa conseguiu enraizar-se e consolidar-se graças não só a uma política de moderação servida pela habilidade de alguns personalidades de primeiro plano, mas também graças à implantação europeia. Mas se olharmos para a participação eleitoral - há 45 anos, nas primeiras eleições livres, para a Assembleia Constituinte, a taxa de participação foi de 91,4%! - , há motivo para nos preocuparmos com a erosão verificada desde o início dos anos 1980. Esta abstenção crescente põe a questão das dinâmicas de mobilização no Portugal democrático.Esta herança do 25 de Abril explica por que Portugal evitou os populismos até há pouco tempo? Esta transição por rutura - e não "negociada", como em Espanha ou noutras ditaduras - serviu durante muito tempo de travão, por exemplo, na Constituição de 2 de abril de 1976, parecendo preservar Portugal da subida dos populismos que se observava no resto da Europa. Mas as legislativas de 2019 mostraram que um dique rebentou com a eleição de um deputado do Chega. E as declarações recentes deste, hostis a uma comemoração reduzida no Parlamento do 25 de Abril, são reveladoras dessa "pequena música de fundo" que consiste em banalizar, até denegrir, o 25 de Abril, evento fundador nunca completamente aceite pela "direita da direita", nostálgica do antigo regime e do "fazer viver habitualmente" de Salazar, mas também por uma franja de uma direita liberal que vê o 25 de Abril como um "parêntesis vermelho", sinónimo de "perda de tempo" numa grande marcha forçada para a globalização feliz e o "business as usual"..Enquanto historiador, há outra revolução que o inspire? Talvez a de fevereiro de 1848 em França e na Europa, com a "primavera dos povos". Primeiro devido à sua força intrínseca, produto da vontade dos homens, e as mensagens que deixou quando o campo das possibilidades ainda estava aberto sobre os contornos de uma democracia e de uma república social com o "direito do trabalho" e as "Oficinas Nacionais", antes da repressão implacável dos dias de junho de 1848. Em finais de fevereiro de 1848, o mundo de ontem já não existia, contra todas as expectativas, um pouco como na noite do 25 de Abril. Se a história não se repete, o paralelo com 2020 é tentador, enquanto vivemos, como em 1848, um choque económico de grande violência em tempos de paz. O que vai acontecer? O regresso a um modo reacionário que visa salvaguardar o mundo de ontem, ou, de novo, o espetro da austeridade vai assombrar a Europa? Ou então um "mundo de depois", novo "dia inicial" em que tudo mudará para que nada fique no Estado?