Governo vai "acomodar" custo do Novo Banco com menos investimento e mais receita
O investimento público vai ser sacrificado e as receitas públicas vão ser maiores de modo a se poder acomodar, neste ano, o custo da injeção de capital no Novo Banco, considera o Conselho das Finanças Públicas (CFP).
Na análise ao Programa de Estabilidade 2019-2023 (PE 2019-2023), ontem publicada, a entidade que fiscaliza e acompanha a política orçamental do governo, toma nota de que o governo "prevê que o saldo orçamental prossiga uma trajetória de melhoria até atingir um excedente em 2020, permanecendo acima do equilíbrio orçamental até ao final do horizonte do programa".
Mas há uma "exceção". Ainda em 2019, o Ministério das Finanças "mantém a previsão de um défice de 0,2% [do produto interno bruto ou PIB], acomodando o impacto da injeção de capital no Novo Banco mais desfavorável em 749 milhões de euros do que o previsto no Orçamento do Estado para 2019 (OE 2019), por via de uma revisão em alta da receita e de uma redução da previsão de investimento público (Formação Bruta de Capital Fixo)".
"No triénio 2020-2022, são agora esperados excedentes orçamentais menores (-0,5 pontos percentuais do PIB/ano em média nesse período), não obstante a revisão em baixa da despesa com juros (-0,3 p.p. do PIB/ano em média)".
O Conselho presidido por Nazaré Costa Cabral alerta ainda para o perigo do otimismo em excesso da parte do governo, sobretudo do lado da despesa.
"O CFP tem reiteradamente assinalado o risco associado às pressões orçamentais quanto às componentes mais rígidas da despesa (salários e prestações sociais)", avisando que "a revisão em alta das despesas com pessoal apresentadas neste Programa de Estabilidade, face às anteriormente apresentadas, confirma essas pressões e os desenvolvimentos recentes neste domínio permitem antecipar que as previsões apresentadas podem ser ainda otimistas".
Um dos elementos que mais preocupa é, uma vez mais, os impactos futuros que o Novo Banco pode gerar, obrigando o Estado (os contribuintes) a emprestarem mais dinheiro ao Fundo de Resolução (que é acionista o referido banco).
"Subsistem ainda pressões relativas ao potencial impacto de medidas de apoio ao setor financeiro. No caso do Novo Banco, as projeções do Ministério das Finanças consideram apenas a utilização parcial do valor estabelecido no Mecanismo de Capitalização Contingente (2941 milhões de euros do total de 3890 milhões)."
Por isso, "existe um risco adicional para as finanças públicas caso o rácio de capital total do Novo Banco se situe abaixo do requisito de capital estabelecido pelas autoridades de supervisão. Nesta situação, o Estado português poderá ter de disponibilizar fundos adicionais de forma a que o banco cumpra os requisitos regulatórios (capital backstop)".
Outro grande problema, não menos preocupante, no entender do CFP, tem que ver com a despesa "pesada" e "rígida" com salários dos funcionários públicos.
Após semanas de polémica em torno da despesa com o descongelamento de carreiras especiais da função pública (professores e outros) e de uma crise política pelo meio, o Conselho das Finanças entrou ontem neste debate.
Na análise ao Programa de Estabilidade, a instituição observa que os números que têm sido sucessivamente avançados pelo governo e pelo ministro das Finanças são "instáveis" e podem mesmo estar feridos na sua qualidade. Há um novo sistema de informação que está a ser montado e que pode ajudar a resolver o problema, mas esse ainda não viu a luz do dia. Há atrasos.
"A partir de 2019, estará disponível um novo sistema de informação da organização do Estado (SIOE+)", mas, até agora, ainda não houve implementação no terreno, nem resultados palpáveis.
O CFP lamenta "as sucessivas revisões" que têm sido feitas por Centeno para o impacto bruto do descongelamento de carreiras na variação anual das despesas com pessoal e diz que estes acertos, por vezes muito substanciais em valor, "traduzem uma instabilidade que compromete a qualidade da previsão das despesas com pessoal, uma das rubricas com maior grau de rigidez e peso na despesa pública, cuja previsão deveria ser efetuada de forma fiável".
Na origem desta instabilidade estará a falta de um sistema de informação da organização do Estado capaz e eficaz. Nesse sentido, a entidade presidida por Nazaré Costa Cabral defende que é "premente a necessidade de implementação de sistemas eficazes de gestão de recursos humanos".
O Conselho mostra, por exemplo, que as Finanças de Mário Centeno começaram por prever um custo com o descongelamento em 2018 que oscilou imenso ao longo dos últimos dois anos.
Em abril de 2017 (Programa de Estabilidade desse ano), o Ministério das Finanças previa 248 milhões de euros em impacto no ano 2018; em outubro de 2017, no Orçamento do Estado para o ano seguinte (OE 2018), a estimativa subiu para 353 milhões. Depois, em setembro de 2018, o custo esperado em 2018 caiu abruptamente para 295 milhões de euros.
Relativamente ao corrente ano, 2019, as revisões para o impacto anual do descongelamento das carreiras especiais apresentam ainda maior dispersão.
Em abril de 2017, o impacto esperado ronda os 248 milhões de euros, depois no OE 2018 não há valores. No Programa de Estabilidade de abril de 2018 surge uma estimativa de 390 milhões de euros de impacto. Cinco meses depois, Centeno sobe a mesma previsão para 542 milhões de euros e um mês depois, no último OE 2019, corrige a rubrica em baixa, para 481 milhões de euros.
Mas ainda haveria tempo para mais um acerto. Neste PE 2019 em análise, o Conselho presidido por Nazaré Costa Cabral observa que o impacto do descongelamento em 2019 torna a subir, desta feita para 540 milhões de euros.