Governo só reavê capital se renegociar dívida com banca
António Costa chegou finalmente a acordo com David Neeleman e Humberto Pedrosa sobre quem fica com quê na TAP. O novo modelo não concede a maioria do capital ao Estado - bandeira eleitoral socialista -, mas permite aumentar a participação de 34% para 50% e "garantir que a TAP se mantém em Portugal"; o consórcio Atlantic Gateway assegura que o Estado não intervém na gestão do dia-a-dia. A operação, que terá um custo de 1,9 milhões de euros, deverá concluir-se em abril, mas só se o governo ajudar a renegociar a pesada dívida que a companhia aérea tem com a banca.
O memorando de entendimento assinado ontem prevê que a compra de ações "esteja condicionada à verificação prévia de autorizações de terceiros e uma reestruturação financeira". O que quer dizer? Que o governo tem de não só obter o aval da Comissão Europeia e da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) como também está obrigado a uma reorganização da dívida que a TAP tem junto dos bancos e que ronda os 500 milhões de euros - cem milhões já foram pagos pelo consórcio.
Esta renegociação com a banca deverá ser semelhante à que aconteceu no final do ano passado e que também condicionou a assinatura do contrato de privatização. O Estado terá assim de ajudar a baixar as taxas de juro associadas aos empréstimos e permitir um alargamento das maturidades da dívida.
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No entanto, o novo acordo deixa vários pontos em aberto. Qual será a responsabilidade do Estado na dívida futura da TAP ou o que acontecerá em caso de incumprimento dos pagamentos da dívida bancária pelo consórcio?
No anterior processo de privatização, que permitiu a venda de 64% do capital da companhia aérea ao consórcio Atlantic Gateway, a Parpública (holding estatal que detém as ações) e os bancos definiram que, em caso de incumprimento ou desequilíbrio financeiro, os credores teriam o direito de obrigar o Estado a recomprar a TAP. O acordo terminado em novembro incluiu uma cláusula de segurança que permitia, caso fosse necessário, forçar o Estado a repor a garantia pública à dívida da companhia.
Outro ponto ainda pouco claro, e que o PSD quer ver explicado (ver caixa), é o papel que o Estado terá enquanto dono de 50% do capital e em que medida será radicalmente diferente dos 34% - é que o anterior governo escolheu esta percentagem porque ela permite participar num conjunto de decisões, como fusões, aquisições, cisões de negócios, transferência da sede, extinção e compra de empresas.
O novo acordo acionista não detalha os poderes reais do Estado, mas refere que será responsável por seis dos doze membros do conselho de administração. Além disso, o presidente do conselho de administração, nomeado pelo Estado após consulta prévia dos acionistas, terá um voto de qualidade, aspeto que levanta dúvidas de legalidade nos juristas, porque se assemelha a uma golden share mascarada.
A recompra de 16% das ações da TAP pelo Estado garante "a manutenção da sede em Lisboa, a designação da empresa, a existência de um hub no Aeroporto de Lisboa e ligações para as regiões autónomas, diáspora, África lusófona e Brasil", defendeu ontem António Costa. No contrato anterior, o Estado poderia sair da TAP dentro de dois anos, obrigando-se o consórcio a permanecer na transportadora por dez anos. E rematou: "Daqui a dois, dez e 30 anos Portugal continuará a existir e a precisar da TAP. Nós já cá estamos há 900 anos, encontraremos boas razões para permanecer acionistas [privados] da TAP."
Tudo o resto, será decisão de Humberto Pedrosa e David Neeleman, já que o Estado não terá poderes estratégicos. "O Estado não pretende intervir na gestão do dia-a--dia", garantiu o primeiro ministro, acrescentando que "o que cabe ao Estado é aquilo que é essencial, perenidade da visão estratégica e que a TAP existirá sempre e garantirá sempre ligação de Portugal e dos portugueses ao mundo".
Os acionistas, que há três meses fecharam o negócio e há dois diziam que tudo o que foi assinado com o anterior governo é para cumprir, aceitaram "o casamento" que lhes confere a plena gestão da empresa. "O que é que se passou aqui? Foi um baralhar e dar de novo", afirmou Humberto Pedrosa. "Não era este" o meu projeto, mas "não dava para casar os dois objetivos. O governo queria a maioria e nós também". No final, o que interessa, sublinhou, é que "a TAP será privada".
"Podemos continuar a nossa estratégia para salvar a empresa. E a empresa precisa de ser salva", acrescentou David Neeleman. Para isso, o acionista público terá também de acompanhar a capitalização de 120 milhões de euros que já estava prevista para o consórcio Atlantic Gateway. Neste sentido, terá de avançar com 30 milhões, ficando com 18,75% dos direitos económicos da companhia aérea, numa futura dispersão em Bolsa - já prevista no anterior processo para daqui a cinco anos.
Pedro Marques, ministro do Planeamento e das Infraestruturas, garante, desta forma, que não haverá atropelos à lei da concorrência europeia, que é dura quando a questão são ajudas de Estado.
O mesmo acontece com a recompra das ações. David Neeleman e Humberto Pedrosa pagaram oito milhões por 64% do capital; o governo vai utilizar o mesmo valor para fazer o respetivo reembolso. O preço da compra e venda das ações será de 10,93 euros por ação, o valor do processo de reprivatização.
O consórcio Gateway acaba por ficar com 45% da TAP, uma vez que até 5% do capital está à disposição dos trabalhadores - fatia obrigatória que decorre da lei das privatizações. Mas caso os trabalhadores não exerçam o direito de compra, os acionistas privados poderão igualar a participação do acionista Estado. António Costa já "assumiu o compromisso de, no futuro, o Estado não deter uma participação superior a 50% da TAP".