Governo saudita vai comprar o Newcastle. Um negócio rodeado de polémicas
O Newcastle está a poucas semanas de mudar de dono e tornar-se no segundo clube da Premier League a ficar na mão de capitais sauditas, depois do Sheffield United. Um processo envolto em polémica, desde logo pela forma como o negócio foi conduzido em plena crise causada pela pandemia de coronavírus, depois pelo facto de o novo investidor entrar com dinheiro proveniente do governo da Arábia Saudita e, a mais recente, foi espoletado pela Amnistia Internacional, que questiona os magpies por um negócio feito com um estado acusado de violar os direitos humanos.
Apesar de tudo, o negócio decorre a bom ritmo, faltando apenas a aprovação da Premier League para tudo fique acertado e o milionário inglês Mike Ashley passe a pasta ao fundo de investimento público da Arábia Saudita, cujo testa-de-ferro é Yasir al-Rumayyan, governador do Fundo de Investimento Público e presidente da empresa de petróleo e gás natural Saudi Aramco. Ao que tudo indica, este empresário vai tornar-se no novo presidente do Newcastle.
No entanto, todo o processo foi mediado pela empresária Amanda Staveley, que já tinha participado na operação que permitiu ao xeique Mansour, dos Emirados Árabes Unidos, comprar o Manchester City, em 2008.
Mike Ashley tinha inicialmente pedido 380 milhões de libras (435 milhões de euros) para ceder a posição dominante no Newcastle que em 2007 por 153 milhões de euros, mas o início da pandemia de coronavírus fez com que o empresário britânico fosse cedendo na exata medida das suas necessidades financeiras, acabando por acertar a venda do clube por 310 milhões de libras (355 milhões de euros). Assim sendo, o governo saudita ficará com 80% das ações do clube do norte de Inglaterra, sendo 10% ficarão na posse de Amanda Staveley e outros 10% serão detidos pela Reuben Brothers, empresa britânica com negócios imobiliários na cidade.
O Newcastle está, desta forma, a um curto passo de se tornar uma ferramenta de promoção política da Arábia Saudita, um pouco à semelhança daquilo que já sucede com o Manchester City em relação à família real de Abu Dhabi e ao Paris Saint-Germain relativamente ao governo do Qatar, que gere o clube francês através de um fundo de investimento.
De acordo com o jornal britânico The Guardian, a Premier League vai agora analisar toda a documentação do negócio, uma vez que é preciso verificar se existe algum tipo de incompatibilidade por parte do novo proprietário, algo que, tendo em conta a paralisação causada pela pandemia, poderá levar um mês até ficar concluído. Neste processo de avaliação, há ainda a possibilidade de os responsáveis pela fiscalização levantarem algumas questões sobre o financiamento vir diretamente do governo saudita.
E é este ponto que gerou indignação junto da Amnistia Internacional (AI) que questiona o Newcastle por dar a mão a um regime que tem alegadamente violado de forma recorrente os direitos humanos. "Ainda precisamos de analisar a transação porque a Arábia Saudita está a tentar usar o glamour e o prestígio da Premier League como ferramenta de campanha de relações públicas e, dessa forma, desviar as atenções dos abismais registos de violações de direitos humanos. Com o mundo em crise, há o risco deste acordo ser concluído sem qualquer tipo de escrutínio, que no nosso entendimento é essencial", afirmou Felix Jakens, líder da AI no Reino Unido.
Este dirigente alerta mesmo para vários casos ocorridos no regime saudita desde que, em, 2017, Mohammad bin Salman subiu ao poder, destacando desde logo a "repressão a que foram sujeitos" os defensores dos direitos humanos em território saudita, "incluindo os corajosos defensores dos direitos da mulher". É ainda recordada a "flagrante ocultação em relação ao terrível assassinato de Jamal Khashoggi", o jornalista do Washington Post considerado dissidente do regime assassinado no consulado saudita em Istambul, na Turquia. Isso além do "histórico vergonhoso" de "ataques militares indiscriminados a casas e hospitais no Iémen".
Nesse sentido, a Amnistia Internacional já veio apelar aos adeptos do Newcastle para estarem atentos a este negócio, uma vez que defendem que todos os acordos estabelecidos devem "proteger" as entidades envolvidas de "uma possível cumplicidade com violações dos direitos humanos". "A lavagem desportiva pode ser combatida. Como tal apelamos aos funcionários e adeptos do Newcastle para perceberem melhor a terrível situação de violação dos direitos humanos na Arábia Saudita", rematou Felix Jakens.
Além de gerir o Newcastle, o plano do governo saudita passa ainda por algumas obras de modernização em infraestruturas da cidade e da região, algo que também é tido em conta como um trunfo para garantir a aprovação da Premier League, mas que faz parte do programa de desenvolvimento "Vision 2030", que está a ser promovido pelo governo de Mohammad bin Salman que visa diversificar a economia do país, expandindo-a além das suas fronteiras. É bom lembrar que foi também com o propósito de autopromoção, que a Arábia Saudita acolheu este ano a supertaça espanhola, disputada por quatro clubes, e que tanta polémica causou em Espanha.
Apesar de o clube poder estar na iminência de se tornar um peça do xadrez expansionista saudita, os apaixonados adeptos do Newcastle estarão aliviados pelo facto de, finalmente, se verem livres de Mike Ashley, cujo reinado de 13 anos à frente do clube foi uma desilusão, e contra quem manifestaram por várias vezes o seu descontentamento.
É que além de duas despromoções, das várias contratações falhadas e do acumular de dívidas, o clube só por uma vez terminou a liga nas dez primeiras posições (5.º lugar em 2011-12). Associado a isso, há ainda que ter em conta as inúmeras polémicas em torno da sua gestão, nomeadamente ao usar o clube para impulsionar os seus próprios negócios, além de contratos com patrocinadores que geraram grande contestação, assim como a tentativa de vender os direitos sobre o nome do estádio St. James Park.
Agora, entre os magpies nasce a esperança de que a equipa venha a ter mais qualidade e possa voltar a andar no topo da tabela e, quem sabe, voltar a ser campeão inglês, algo que não acontece desde 1927, ou voltar a vencer uma Taça de Inglaterra, uma vez que a última foi conquistada em 1955.