Governo quer reter jovens no país com IRS, mas eficácia será reduzida
Os detalhes das alterações que vão ser introduzidas no IRS Jovem, anunciadas ontem pelo primeiro-ministro, ainda não são conhecidos, mas numa coisa os fiscalistas ouvidos pelo DN/Dinheiro Vivo estão de acordo quanto a esta matéria: não serão estas novas condições oferecidas aos jovens trabalhadores em sede de IRS que vão impedir que a nova geração saia do país para ir trabalhar para fora, em busca de melhores salários e condições laborais.
"Como vai ser a terceira vez que o Governo vai mexer no IRS Jovem, é reconhecer que falhou das outras vezes. O problema dos jovens licenciados não é o imposto, são os salários que não são condizentes com o seu grau académico, porque a economia não gera valor acrescentado", defende Luís Leon, fiscalista da Ilya. "Face à diferença salarial que um jovem licenciado consegue saindo de Portugal face a países como a Holanda, Reino Unido ou Estados Unidos, não é pelo imposto que vai ficar em Portugal", acrescenta.
Para Luís Leon, "a classe política avança com paliativos que não resolvem problema nenhum, pois o cerne da questão não é fiscal".
Na rentrée do Partido Socialista António Costa avançou que os beneficiários do IRS Jovem vão passar a ficar isentos de imposto no primeiro ano de trabalho, passam a pagar 25% do IRS devido no segundo ano, apenas metade nos terceiro e quarto anos e 75% no quinto ano. Trata-se de uma melhoria das condições que o regime oferece atualmente mas, apesar disso, a sua eficácia é questionada.
"Os salários são tão baixos... O Salário Mínimo Nacional (SMN) não paga imposto, e pagar 0% de imposto no primeiro ano de trabalho, neste caso, não altera nada. O problema é que o mercado não paga mais, porque não tem capacidade para pagar mais", sublinha Diogo Bernardo Monteiro, fiscalista da sociedade de advogados Eversheds-Sutherland FCB. "Que empresas existem em Portugal? Não há muitas EDPs. O país é feito de pequenos e micro empresários. Meio milhão de empresas que lutam para sobreviver. As empresas pagam o que podem pagar", reforça Luís Leon.
De acordo com o Observatório do Emprego Jovem, que cita dados do Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia, em 2021, um trabalhador em Portugal com menos de 25 anos ganhava, em média, 1090,4 euros líquidos. E segundo dados do Ministério do Trabalho cedidos ao DN/Dinheiro Vivo no mês passado, no primeiro trimestre deste ano 78 mil jovens no país auferiam a remuneração mínima, que subiu para 760 euros neste ano e deverá voltar a aumentar para 810 euros em 2024.
Para Tiago Caiado Guerreiro, fiscalista da sociedade Caiado Guerreiro, esta nova mudança anunciada nas condições de acesso ao IRS Jovem não vão "evitar que jovens altamente qualificados vão para o exterior", no entanto, sublinha o advogado, "vai custar muito pouco dinheiro ao Estado e é uma medida de esperança, que devia ser aplicada aos jovens que já estão a trabalhar".
As alterações reveladas por António Costa, que deverão constar da Proposta de Orçamento do Estado para 2024, devem aplicar-se aos rendimentos auferidos apenas no próximo ano, ou seja, o impacto será sentido na liquidação do imposto em 2025.
Na campanha de IRS de 2023 (referente aos salários auferidos em 2022), o IRS Jovem garantiu uma isenção de até 30% dos rendimentos nos primeiros dois anos de trabalho. O regime, que se aplicava apenas aos trabalhadores por conta de outrem, foi alargado também a profissionais independentes e a duração passou de três para cinco anos.
O Orçamento do Estado de 2023 procedeu a novas alterações ao IRS Jovem, que vão ser sentidas no imposto a liquidar apenas no próximo ano. Passou a prever uma isenção fiscal de 50% no primeiro ano de trabalho, 40% no segundo ano, 30% no terceiro e quarto anos, e 20% no quinto ano. Os limites ao benefício também foram aumentados para 12,5 vezes o Indexante de Apoios Sociais (480,43 euros) no primeiro ano, dez vezes no segundo ano, 7,5 vezes no terceiro e quarto anos e cinco vezes no quinto ano.
Como sublinha o fiscalista Diogo Bernardo Monteiro, é preciso saber se estas condições se vão manter ou se também vão sofrer alterações.
Na campanha de IRS deste ano, de acordo com dados divulgados pelo Governo em agosto, o IRS Jovem abrangeu 73 684 jovens, que beneficiaram de uma poupança fiscal média de 425 euros. Para o Estado, o programa representou uma despesa fiscal de 31 milhões de euros.
O DN/Dinheiro Vivo questionou o Ministério das Finanças sobre a estimativa do custo do alargamento do regime anunciado por António Costa, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. No entanto, com a subida anunciada das isenções, é de prever que supere o valor da campanha de IRS de 2023, cuja fase de entrega terminou em junho.
O primeiro-ministro também revelou que os recém-licenciados do ensino superior público vão poder reaver os valores das propinas pagas, de 697 euros por cada ano de trabalho em Portugal, de acordo com os anos de duração da licenciatura. No caso dos estudantes de mestrado, a quantia a devolver será fixada nos 1500 euros por cada ano concluído. Também os passes de transporte público passarão a ser gratuitos até aos 23 anos. Medidas que se juntam às isenções no IRS, e com as quais o Governo espera convencer os jovens a ficar a trabalhar em Portugal.