Governo promete mais dinheiro às autarquias. Valores serão revistos "em breve"
Sob forte pressão dos municípios, que têm vindo a levantar a voz contra o que dizem ser o subfinanciamento do processo de descentralização, a ministra da Coesão Territorial foi ontem ao Parlamento garantir que a verba prevista no Orçamento do Estado "não é intocável e não está fechada" e que os montantes serão "atualizados", em "breve". Além dos valores gerais, Ana Abrunhosa avançou que "no próximo mês, no máximo" serão lançados avisos no valor de 100 milhões de euros para a requalificação de escolas e centros de saúde que vão ser transferidos para a esfera das autarquias. A Educação e a Saúde são os dois setores que, a par da Ação Social, têm provocado maior controvérsia.
Ouvida no âmbito dos trabalhos na especialidade do Orçamento do Estado para 2022, a ministra da Coesão Territorial adiantou que as obras serão financiadas através de fundos europeus e os "beneficiários serão infraestruturas consideradas prioritárias, ou seja, escolas e centros de saúde mais degradados". No caso das escolas em particular a responsável do Governo sublinhou que o Executivo "assumiu a responsabilidade de recuperar 335 escolas" que passaram para a tutela das autarquias, mas também neste ponto referiu que a lista será revista com os municípios. Sobre um dos pontos que tem estado na mira dos autarcas - os 20 mil euros que serão transferidos para as autarquias por cada escola descentralizada - a ministra insistiu que se trata de uma verba para a manutenção dos edifícios escolares e não para requalificação.
Ainda assim, admitiu também rever aquela verba, sublinhando que será a Comissão Técnica de Desenvolvimento (que reuniu na última quarta-feira) "a decidir o valor justo a atribuir para a manutenção dos edifícios, apetrechamento das escolas, atualização dos valores dos transportes escolares e rácio dos assistentes operacionais por escola". Prometendo "valores atualizados" para muito em breve, Ana Abrunhosa estendeu a mesma garantia à área da Saúde, referindo que os autos de transferência de competências estão também a ser atualizados, tendo como base o ano de 2019 e contemplando a inflação (embora as novas competências na Saúde tenham passado para os municípios a 1 de abril, a transferência só se efetiva com a assinatura destes autos).
Nesta altura, segundo dados que constam da nota explicativa que o ministério entregou ao Parlamento apenas 23 municípios assumiram as novas competências na Saúde, 11% de um universo de 251.
"O Governo vai reforçar o diálogo com todos os municípios e reunir com todas as entidades intermunicipais, uma a uma. Não existe a possibilidade de fracassar num único município, grande ou pequeno", referiu Ana Abrunhosa, que fez questão de garantir que os municípios mais pequenos ou que têm tentado concertar posições para avançar na descentralização "nunca ficarão atrás dos que falam mais alto e têm acesso à comunicação social". Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, tem sido muito crítico do processo de transferência de competências, que diz ser apenas uma transferência de encargos. O autarca já interpôs uma providência cautelar nos tribunais para travar a descentralização na Saúde e na Educação e fez aprovar no executivo municipal uma proposta para que o Porto abandone a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
Na audição Ana Abrunhosa defendeu também que o sucesso da descentralização é essencial para que o país avance para a regionalização (que deverá ser referendada em 2024) e admitiu que, se a regionalização "não vai à segunda, não vai à terceira". Ou seja, depois do chumbo no referendo em 1998, um novo chumbo travará de vez o processo.
A ministra falava no Parlamento já depois da audição da ANMP. Perante os deputados, Luísa Salgueiro evocou a tomada de posição unânime dos autarcas, que deram parecer desfavorável ao Orçamento do Estado, defendendo que é preciso "ajustar as verbas previstas para a descentralização" e "clarificar desde questões formais às questões de equipamentos, de pessoal, de verbas".
A presidente da ANMP exigiu também que o Estado central pague os "104 milhões que estão em dívida nos últimos três anos" no Fundo Social Municipal. E pediu a extinção da "absurda regra" que impede os municípios de aumentar o valor gasto no ano anterior com contratos de aquisição de bens e serviços, sobretudo numa altura em que "valores base de contratos estão a disparar" em resultado da "inflação, do aumento dos custos da energia e dos combustíveis".
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