Governo pressionado a diminuir fosso entre ordenados de topo e ordenados de base
É apenas uma resolução - ou seja, não tem efeito vinculativo. Mas serve, apesar disso, como ato de pressão sobre o Executivo. O Parlamento aprovou hoje um texto que "recomenda ao Governo o estabelecimento de um limite proporcional para a disparidade salarial no interior de cada organização".
A aprovação conseguiu-se pelos votos favoráveis do partido proponente, do deputado do PAN André Silva e do deputado Paulo Trigo Pereira (que agora é deputado independente, depois de deixar a bancada socialista).
O CDS votou contra e as restantes bancadas (PSD, PCP, BE e PEV) abstiveram-se.
Pelo texto, recomenda-se ao Governo que "defina um conjunto mínimo de informações estatísticas a serem anualmente divulgadas por qualquer empresa, nomeadamente as relativas ao salário mínimo, médio e máximo praticado em cada organização".
Além disso, que "estabeleça, após consultados os parceiros sociais em sede de Conselho Económico e Social, um mecanismo de limitação proporcional da disparidade salarial no interior de cada organização, pública ou privada, considerando para esse efeito um salário como o montante resultante de todas as prestações atribuídas em dinheiro ou espécie a um trabalhador, salvaguardando situações de exceção como a de trabalhadores a tempo parcial".
E ainda que "reveja as remunerações das empresas do setor público empresarial, por forma a assegurar que o salário em vigor mais elevado não exceda o limite estabelecido no ponto anterior."
Por último, o Executivo está pressionado para que legisle num sentido "penalize as empresas privadas que não implementem esta limitação proporcional da disparidade salarial através de mecanismos como, por exemplo, o agravamento da sua contribuição para a Segurança Social ou impedindo o seu acesso a subsídios e apoios públicos à criação de emprego".
A resolução invoca, logo no seu início, o programa do atual Governo, quando este "definiu o combate às desigualdades como 'um desígnio nacional não somente por razões de equidade e de justiça social, mas também por razões de eficiência e de coesão social'".
Apesar de salientar que "muitos têm sido os passos dados na atual legislatura no sentido de garantir o cumprimento deste desígnio", a verdade é que também sublinha que "a desigualdade na distribuição de rendimentos provenientes do trabalho é ainda um fator de grande relevância no agravamento das desigualdades sociais".
Segundo os proponentes, "pelo menos desde o início da década de 90 que a sociedade portuguesa se tem caracterizado pelo agravamento continuado das desigualdades de rendimento, tendo esse fosso atingido, de acordo com o Eurostat, o seu máximo em 2004 com 30,4% do rendimento auferido a ser captado pelos 10% mais ricos da população".
E "esta realidade é tanto mais chocante e absurda quanto maiores têm sido os avanços técnicos e científicos ao dispor das sociedades e o acesso da população portuguesa a educação e informação", sendo por isso "necessário continuar a colocar o trabalho, a sua organização e forma de remuneração, no centro do debate social e político".
Ou seja: "Portugal está longe de conseguir alcançar uma desejável redistribuição da riqueza, não sendo o Estado capaz de atenuar, por via fiscal, o peso de salários milionários muitas vezes auferidos por gestores de empresas, que contrastam com a retribuição dos restantes trabalhadores dessas organizações".
Na verdade, "os números mostram-nos que o salário dos gestores de topo das empresas portuguesas cotadas em bolsa corresponde, em média, a cerca de 32 vezes o salário médio dos seus trabalhadores, chegando nalguns casos a ser 150 vezes superior".
E "parece inexplicável o facto de o salário dos gestores de topo ter aumentado 40% nos últimos 3 anos, sem que se tenha verificado qualquer aumento no dos restantes trabalhadores, concluindo-se que a remuneração dos altos quadros executivos em Portugal é francamente desproporcional face aos salários mínimo e médio das respetivas empresas e inaceitáveis numa perspetiva de equidade e justiça social".
Assim, "reconhecendo a incapacidade dos mercados de se autorregularem no sentido de travarem abusos que são socialmente chocantes e que resultam no agravamento das desigualdades salariais, cabe aos poderes públicos tomar medidas orientadas para a correção de uma fonte de desigualdades crescentemente insuportável e injusta".
Portanto, "o Estado [deve] atuar no plano legislativo através da edificação de políticas públicas empenhadas na resolução do problema".