Gestão de centros de saúde e transporte de doentes passa para câmaras
O governo vai passar para os municípios a gestão, manutenção e construção dos centros de saúde e com isso quer transferir vários serviços de apoio logístico, com especial destaque para o transporte de doentes não urgentes, a manutenção de equipamentos médicos e todo o parque automóvel afeto aos cuidados de saúde primários. Para as autarquias passa também a gestão dos assistentes operacionais (médicos e enfermeiros ficam de fora).
As medidas constam do decreto do governo que concretiza os termos da descentralização na área da saúde, a que o DN teve acesso. É um dos quatro diplomas setoriais que já chegou à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), de um total de 15 que o executivo tem de finalizar, nas várias áreas a descentralizar para os municípios, e que estão previstas na lei-quadro da descentralização que está em discussão no parlamento. Além da saúde foram entregues os diplomas para a descentralização nas freguesias e nos serviços de Proteção Civil (ver texto ao lado), assim como na promoção turística. Faltam agora áreas como a educação, a ação social, o património, a cultura ou a habitação, entre outros.
A proposta do governo para a área da saúde já foi, na última quarta-feira, ao Conselho Diretivo da ANMP que, numa primeira apreciação ao documento, levanta várias dúvidas, a começar pelo pacote financeiro que terá de acompanhar as novas competências. Em vários pontos da proposta os municípios questionam se as verbas a transferir serão suficientes para suportar os custos com o pessoal e com toda a manutenção dos centros de saúde (o que inclui serviços de limpeza, segurança, custos de eletricidade, água, gás e saneamento, comunicações, manutenção, calibração e verificação de equipamentos médicos, seguros e fornecimento de consumíveis). No diploma - que será ainda objeto de negociações com a ANMP - o governo prevê a transferência anual de verbas para os municípios pagarem a manutenção, os serviços de apoio logístico e os assistentes operacionais. Os valores de referência serão os gastos do Ministério da Saúde no ano anterior à transferência de competências. A proposta acrescenta que no ano a seguir não haverá atualização dos montantes. E aqui começam as ressalvas dos municípios.
No parecer à proposta do governo, a ANMP lembra que a questão do transporte de doentes não urgentes - a que têm acesso doentes oncológicos, em diálise, transplantados e com incapacidade superior a 60% - é uma matéria que não constava da lei-quadro da descentralização. No ano passado realizaram-se 2,3 milhões de transportes não urgentes que custaram 50 milhões de euros. Foram abrangidos mais de 267 mil utentes.
Também a gestão de viaturas e manutenção dos equipamentos médicos "suscitam reservas". "A primeira porque no âmbito dos trabalhos preparatórios teria sido afastada, a segunda pela especificidade da matéria em causa e pela sua ligação intrínseca aos atos médicos", salienta o parecer da ANMP. Em dois anos (2014 e 2015), 35 dos 55 agrupamentos de centros de saúde (ACES) gastaram 3,2 milhões de euros em táxis e aluguer de viaturas para cuidados domiciliários e admitiram precisar de mais 163 carros para dar cuidados em casa dos doentes.
Quanto à manutenção dos centros de saúde, a ANMP lembra que os gastos dos últimos anos estão "longe de ser aquilo que efetivamente é preciso despender" e que por isso a verba a apurar deverá ter em conta outros fatores. Ressalvam a utilidade de uma ficha tipo para verificar o estado e titularidade dos edifícios (as rendas também passam para os municípios) e lembram que é preciso "colocar os equipamentos em condições de operacionalidade que muitos hoje não têm".
Ressalva igualmente feita com funcionários contratados. A ANMP afirma que é preciso criar referências ao número de pessoal adequado e salienta que a proposta "não se refere às situações em que há pessoal a menos". Num aparte destacam que em caso de défice de profissionais aquando da transferência de competências, "o Ministério da Saúde terá que transferir os valores para as contratações adequadas".
Segundo dados da Administração Central do Sistema de Saúde, no final de março havia 10 170 trabalhadores nas Administrações Regionais de Saúde, as entidades que atualmente têm os encargos com os cuidados de saúde primários (inclui serviços centrais e exclui médicos e enfermeiros), a que se somam mais 1866 a trabalhar em centros de saúde integrados nas Unidades Locais de Saúde (ULS). Em 2016, os encargos com remunerações ascenderam a 212 milhões de euros (valores que refletem todos os profissionais das ULS e não apenas cuidados de saúde primários). A proposta do governo estabelece que a transferência de competências "deve efetivar-se até ao ano 2021".
Municípios querem mais dados
No parecer, a ANMP pede ao governo informações adicionais sobre os bens a transferir - a listagem das unidades de saúde, por município, uma avaliação sobre o estado das infraestruturas, dos equipamentos informáticos, das viaturas, o número concreto de trabalhadores a transferir e os valores financeiros previstos para a transferência de competências em cada uma das situações. Este tem sido, aliás, um ponto de grande insistência da ANMP, que quer saber em concreto tudo o que vai ser transferido e onde. Sem grande sucesso, até agora. Numa audição no parlamento, na quinta-feira, o presidente da ANMP, Manuel Machado, apontou "alguma relutância ou resistência" na entrega à ANMP de "dados essenciais à avaliação".