"Governo Lula será desastroso" ou "pior que Bolsonaro é impossível"?
A maioria dos portugueses radicados no Brasil ouvidos pelo DN sobre a troca de Jair Bolsonaro por Lula da Silva na presidência do país vê a mudança "como um retrocesso inacreditável", "uma experiência desastrosa", e já prognostica "um novo assalto às contas públicas" protagonizado "pelos mesmos elementos" do Partido dos Trabalhadores (PT) que estiveram no poder de 2003 a 2016. A opinião, contestada por apenas um dos cinco inquiridos, é, sobretudo, partilhada pelos luso-brasileiros com cargos de liderança em associações sociais e comerciais.
"O Brasil tem vivido anos muito instáveis na política e grande parte da comunidade portuguesa não está contente com o resultado das eleições, logo, tem expectativa negativa em relação ao governo de Lula", alerta ao DN o jornalista e escritor luso-brasileiro Igor Lopes, que prefere, dada a sua profissão, "não emitir juízos de valor" nem sobre os políticos em causa, nem sobre as opiniões dos compatriotas.
"A comunidade via no candidato Bolsonaro, apesar de toda a conotação negativa do presidente, um governo sem notícias de corrupção, ao contrário dos do PT, e, de acordo com alguns membros dessa comunidade, há também preocupação com o papel da primeira-dama [Janja da Silva], que, segundo eles, pode vir a exercer forte liderança", continua Lopes, nascido no Rio de Janeiro há 42 anos mas com dupla nacionalidade, em virtude das origens familiares nas regiões do Douro e de Trás os Montes, que se dedica à relação entre os dois países. "Aproximo-os através da comunicação e da literatura".
Lopes sublinha ainda que os portugueses no Brasil "argumentam que o novo governo é minoritário, já que se é verdade que Lula teve 60 milhões de votos, Bolsonaro teve 58 milhões, houve 30 milhões de abstencionistas e mais uns nove milhões de votos brancos e nulos, e que isso se refletirá num Congresso mais à direita".
"Noutro ponto, notou-se um aumento grande depois das eleições de pedidos de nacionalidade portugueses e de empresas a migrarem os negócios para Portugal", revela.
O Google Trends, de facto, contabilizou um crescimento brusco nas buscas pelos termos "mudar para Portugal" e "como morar em Portugal", no início de novembro, logo após a segunda volta eleitoral. "A procura pelo nosso serviço aumentou 300% em dois dias", afirmou o advogado Maurício Gonçalves, citado pelo site Jornal Jurid, que está em Portugal há 22 anos atuando nos setores de imigração e nacionalidade portuguesa.
Como advertira Igor Lopes, três portugueses com funções em comunidades luso-brasileiras dizem ao DN, de facto, que esperam o pior de Lula. Para Alexandre Mendes Santos, presidente da Associação de Portugueses do Espírito Santo, "já se sabe qual a intenção do PT". "E já nos preparamos para ver o país sair de um estado economicamente positivo para voltar a um estado devedor, com sofrimento para as empresas públicas e, claro, para as privadas, este governo será, sem dúvidas, desastroso para os brasileiros e para todos os que legalmente contribuem para o desenvolvimento do país".
Natural de Águeda e radicado desde 2009 no Espírito Santo, estado logo ao norte do Rio, lembra que os efeitos negativos já se sentem: "Depois dos roubos conhecidos no Petrolão, o Lula ainda não assumiu e as bolsas já caíram, o dólar já subiu, as empresas voltam a ter dificuldade de credibilidade e de investimento perante um governo que voltará a fazer novamente estragos, tenho pena que metade do Brasil tenha votado neste péssimo gestor público mas ótimo gestor privado para o bolso dele e de todos os participantes na mega quadrilha de bandidos dele que saqueou os cofres públicos".
"Eleger Lula é ter a certeza de que os meus impostos vão cair nas mãos dessa massa corrupta, como luso-capixaba [gentílico do Espírito Santo] sinto-me muito triste por estar à porta desse tipo de gestão", continua.
"Não aplaudi todas as ações do Bolsonaro, ele é um ser humano, com uma forma de ser peculiar e autêntica, goste-se ou não, nem Jesus Cristo agradou a todos, mas aplaudo a gestão dele", continua Santos, 46 anos, formado em música no Porto e já no terceiro mandato à frente de uma associação empenhada no estímulo às relações culturais, económicas e diplomáticas Portugal-Brasil.
"Ele recebeu no colo uma pandemia que geriu ao seu jeito, pouco diplomático, pouco dialogante, que o condenou aos olhos do mundo, mas ninguém fala em corrupção", prossegue o português. "No geral, prefiro os quatro anos de um presidente que fala besteira e de temperamento difícil do que um presidente que rouba para ele e para uma rede, e prefiro um excelente ministro da Economia [Paulo Guedes], ao que aí vem [Fernando Haddad]".
Carlos Alberto Lopes, presidente da Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil, em Minas Gerais, tem visão semelhante. "Na minha opinião a eleição de Lula representa um retrocesso inacreditável para o Brasil".
"O governo cessante, em condições muito adversas e com severas provações, conseguiu evoluir de forma consistente em aspetos essenciais para o fortalecimento da economia brasileira, os números económicos são a evidência que o confirma", regista Lopes, que nasceu em Angola, cresceu em Proença-a-Nova e soma 20 anos de Brasil em dois períodos distintos.
"Os sinais transmitidos à sociedade pelo presidente eleito e seus mandatários colocam a nu e de forma clara o retrocesso: o assalto às contas públicas, através de uma Proposta de Emenda à Constituição, o aparelhamento do Supremo Tribunal Federal, a alteração na Lei das Estatais, permitindo o regresso de políticos, os mesmos que estiveram presos por práticas criminais nas mesmas estatais, e a criação absurda de ministérios para atender a todos os interesses e fregueses".
"Em resumo, eu direi que o Brasil sobreviverá a mais esta experiência, mas pagaremos mais uma vez um preço elevado por não termos conseguido construir uma alternativa ao fosso criado e que conduziu à polarização irracional que estamos a viver".
Presidente do Conselho da Comunidade Luso-brasileira do Estado de São Paulo há quatro anos, Manuel Magno não tem dúvida de que "o país vai piorar". "A montagem do ministério de Lula traz de volta todos os elementos, políticos ou não, que já participaram dos governos anteriores e deram origem ao maior escândalo de corrupção da história, muitos confessaram os crimes, devolveram recursos amealhados com a corrupção, foram condenados e presos, mas, por firulas jurídicas uns, por falta de provas contundentes outros, saíram em liberdade".
"Com estes elementos no governo, já há decisões, como o furo do teto de gastos em milhares de milhões de reais, e promessas de novos empréstimos que nunca serão pagos, como não foram os anteriores, a governos de ditadores amigos, que indicam que a economia do país só pode piorar, com alta da inflação, dos juros e do desemprego que penalizam a população mais pobre, exatamente aquela que se promete ajudar".
"Com isso, há temor de que o Brasil vire uma Venezuela, uma Argentina, um Chile, não pelos países em si mas pelos seus governantes, que subjugam as populações a violência extrema, fome, falta de internet, censura dos meios de comunicação, revogação de direitos e perda de liberdade".
Para Magno, advogado, natural de Oura, concelho de Chaves, há 67 dos 74 anos de vida no Brasil, "a gestão Bolsonaro teve altos e baixos mas com mais avanços do que retrocessos". "A economia, motor de crescimento de um país, teve avanços reconhecidos com controle e redução da inflação pós-pandemia, por outro lado, ele agiu mal ao ignorar solenemente países que sempre foram parceiros política e economicamente, gerando um mal-estar desnecessário face ao Brasil".
Artur Costa, empresário com quase 20 anos de Brasil intercalados, é a voz dissonante. "Acredito que o país vai melhorar até porque é difícil fazer pior do que Bolsonaro", afirma o natural de Almada, dono de uma escola em Três Rios, no interior do estado do Rio de Janeiro.
"Eu sinto-me de centro-esquerda, o meu candidato era o Ciro Gomes mas ele perdeu-se nos ataques ao Lula, ainda votei nele na primeira volta mas já votei no Lula na segunda", afirma.
"Concordo com as bandeiras sociais de Lula porque no Brasil, ao contrário da Europa, existe um caos social que nem ele conseguiu consertar, uma vez que não bastam dois mandatos, são necessárias gerações, mas ele ainda assim colocou os pobres na classe média, fez ascender a classe média e os ricos continuaram a ganhar dinheiro, já com Bolsonaro, a desigualdade só aumentou".
"Acredito que as políticas dele alavanquem o país na educação, na cultura, no ambiente, áreas desprezadas por Bolsonaro, mas terá, porém, muitas dificuldades em lidar com o tamanho do poço herdado, não só pelas condições em que vai pegar o país mas também pela economia global".
Um dos desafios, para Costa, "é lidar com a banca". "É inimiga do país, egoísta e especulativa, a sede de poder dos bancos, dos milionários e das grandes corporações deixa-me abismado - gostava de ver o Lula incidir sobre as grandes fortunas, sobre essa gente que vive de heranças com isenção de impostos, com isenção de tudo, porque aqui quem tem dinheiro tem tudo, sei que existe isso em Portugal, existe em todo o lado, mas no Brasil é demais".
Para tal, "Lula terá de fazer o que ele gosta": "cozinhar alianças com aquela metade do país que o detesta de forma a promover as políticas económicas e sociais em que acredita mas espero que isso não o leve a perder-se como da outra vez - entregando cargos a gente que não é de confiança".
"Apesar de achar que Lula vai fazer muito melhor governo do que Bolsonaro, estou com medo de 2023 porque não estamos em 2003, data do seu primeiro mandato", completa. "Ah, e acho também que se vão descobrir muitos podres sobre Bolsonaro e os filhos".
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