Governo lança plano para travar défice de portugueses na UE
É a primeira vez que acontece desde que Portugal entrou para a União Europeia (UE) em 1986: não há nenhum funcionário português entre os diretores e subdiretores das estruturas da Comissão Europeia. Podia ser uma mera casualidade, mas não é: é um sintoma (e consequência) do défice de cidadãos nacionais a trabalhar nos organismos da UE, um problema transversal ao Parlamento Europeu e Conselho Europeu, mas que é particularmente visível na Comissão. E que, sendo já notório no presente, promete agravar-se no futuro.
De acordo com dados da própria Comissão Europeia, a Portugal caberia uma quota de 3,1% dos funcionários da instituição, mas o país está abaixo dos 80% deste limiar, o que representa uma "sub-representação significativa". Segundo o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, Portugal não é caso único - há vários países com sub-representação -, mas é dos poucos que está sub-representado de forma transversal, em todas as categorias, dos "mais juniores aos mais seniores".
E a "tendência é que este cenário venha a agravar-se nos próximos anos", dado que muitos portugueses entraram nos quadros dos organismos europeus logo após a adesão do país à UE e estão agora a reformar-se ou já próximo da reforma, num contexto em que as novas entradas não compensam as saídas.
CitaçãocitacaoA baixa representação de Portugal ameaça agravar-se nos próximos anos dado que a reforma dos que entraram após a adesão à UE não está a ser compensada por novas entradas.esquerda
"É uma questão preocupante, é preciso tomar medidas para inverter esta situação", diz Tiago Antunes ao DN, garantindo que este é um problema "prioritário" na ação da secretaria de Estado. Nesse contexto, reuniu em abril com o comissário europeu com a pasta dos Recursos Humanos, Johannes Hahn, que também está a definir uma estratégia para repor o equilíbrio geográfico entre os quadros da instituição.
O objetivo passa agora por definir um Plano de Ação Nacional, que deverá ser apresentado depois do verão, para promover a entrada de mais portugueses nos organismos europeus. Uma estratégia com "várias dimensões", que passa também por acompanhar quem já trabalha na UE para potenciar as promoções nas carreiras.
A primeira questão que se levanta face a este cenário é o porquê da sub-representação nacional. "O que se percebe é que não é um problema de falta de atratividade ou de falta de conhecimento das oportunidades", diz o secretário de Estado, sublinhando que não faltam candidatos à entrada. Acontece que muitos "caem" logo nas primeiras rondas de seleção.
A explicação para isso estará no tipo de testes feitos aos candidatos, muitos assentes na lógica e no raciocínio rápido, que "não será muito adequado àquilo que é o nosso sistema de ensino e à preparação dos nossos recém-licenciados". "Temos de fazer um esforço de formação específica para estes concursos", frisa.
Para já, previamente à apresentação da estratégia nacional, o governo vai avançar com o reforço das bolsas ao Colégio da Europa, um instituto universitário com sede na cidade belga de Bruges, que é uma referência na área dos estudos europeus e uma porta de entrada para aceder às organizações europeias.
Segundo Tiago Antunes, o Estado atribuía até agora "cinco meias bolsas no valor de 65 mil euros" para frequência naquela instituição, um valor que vai "mais do que triplicar no próximo ano letivo, o que permitirá atribuir, para já, dez bolsas a 80%", também uma forma de assegurar que alunos com qualificações, mas sem meios financeiros, possam concorrer.
Os funcionários das estruturas da União Europeia não representam nem trabalham para os respetivos países mas, ainda assim, são ativos relevantes. "Muitos estados-membros têm esta preocupação porque percebem que não é irrelevante a nacionalidade de quem está na Comissão Europeia a tratar de um assunto da energia ou de política orçamental. A sensibilidade para os temas e para realidade nacional é distinta consoante a origem da pessoa. É relevante para a defesa dos nossos interesses que Portugal esteja representado por um número adequado de pessoas", sublinha Tiago Antunes.
E se o défice de funcionários contrasta com a posição de destaque que vários portugueses têm assumido em lugares políticos de decisão, o secretário de Estado diz que este é um trabalho de natureza diferente: "A diplomacia portuguesa tem tido muito sucesso quando assume campanhas para colocar portugueses em lugares cimeiros. Mas há todo um universo dos serviços, das direções-gerais, toda a pirâmide que está por baixo, onde é preciso um trabalho de formiguinha, é isso que temos de fazer".