Governo faz a festa do défice, mas Draghi acena com novas sanções

Défice de 2016 deve ficar em 2,1% ou menos, mas BCE diz que plano de 2017 e em diante não convence
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Portugal deverá dar hoje um passo decisivo para conseguir sair do procedimento por défices excessivos (PDE), anunciando um desequilíbrio nas contas públicas equivalente a 2,1% do produto interno bruto (PIB) ou menos em 2016. Os números serão revelados pelo INE, que os comunicará ao Eurostat. "A meta colocada pela União Europeia era de 2,5% do PIB. Atingi-la não depende de qualquer medida extraordinária", congratulou-se o ministro Mário Centeno.

Pouco impressionado está, uma vez mais, o Banco Central Europeu (BCE), que prefere atirar para a frente e até volta a acenar com sanções, agora por causa dos "desvios significativos" no ajustamento estrutural em 2017. Tem muitas dúvidas sobre se esse ajustamento é duradouro deste ano em diante e se a dívida é sustentável. E tornou a evidenciá-las num estudo publicado no boletim económico, mostrando que Costa e Centeno não têm margem para expandir o Orçamento, nem para festejar o fim das medidas duras de ajustamento.

Embora o país deva cair fora da zona vermelha da violação da meta dos 3% de défice, a própria Comissão Europeia também tem reservas sobre se a correção do défice conseguida até 2016 é sustentável e durável nos anos subsequentes.

O défice nominal (a medida clássica) até pode ficar abaixo de 3% nos próximos anos, mas o ajustamento estrutural (permanente) é curto, é insuficiente para reduzir a enorme dívida pública (mais de 130% do PIB), tendo em conta as perspetivas de crescimento para os anos vindouros que, não sendo negativas, também não são espetaculares. O governo diz que não, que está tudo encaminhado para haver um ajustamento inequívoco, fazendo fé de que muito vai acontecer por via das suas medidas e reformas, que devem pôr a economia a crescer mais do que se pensa.

O BCE, o elemento da troika que supervisiona o pós-ajustamento de Portugal, voltou ontem a sublinhar muito ceticismo relativamente às contas públicas portuguesas deste ano em diante. Para tal usou os dados de Bruxelas.

Numa análise que tem como ponto de partida as contas de 2017, Frankfurt volta à carga e mostra que o governo (o português e outros, como Espanha, França, Itália, Bélgica, Eslovénia), mesmo com um défice abaixo de 3%, não tem margem para expandir o Orçamento nos próximos anos e que a dívida corre risco "elevado" de não ser sustentável no médio prazo (próximos dez anos).

Segundo o BCE, há uma variável fulcral que emana do Pacto de Estabilidade que é o "espaço orçamental". Seja qual for a metodologia usada para medir essa margem de manobra que os governos têm (ou não) para apoiar a economia, o banco central de Mario Draghi conclui que Portugal... não a tem. É, aliás, dos países que mais longe estão do objetivo de médio prazo para o saldo estrutural (tem de reduzir o défice estrutural em mais dois pontos percentuais do PIB para chegar ao excedente de 0,25%, combinado com a Europa, que é a tal meta de médio prazo); também prometeu um esforço estrutural muito superior ao que as contas da Europa permitem concluir; e é dos que mais longe estão da meta de 60% da dívida.

O governo tem uma luta aberta com os parceiros europeus em torno dos critérios que medem o valor das medidas estruturais. E o debate continua. Só para se ter uma noção, no Orçamento o governo diz que tem medidas estruturais no valor de 0,6% do PIB neste ano; o BCE e a Comissão dizem, basicamente, que não há medidas desse tipo no OE, logo na sua ótica não há ajustamento estrutural em 2017.

Se esta leitura prevalecer depois de o governo enviar os novos programas de Estabilidade e de Reformas para Bruxelas, em abril, Portugal pode voltar a ter problemas, mesmo com um défice abaixo de 3%.

No estudo, o BCE constata que, à luz das mais recentes previsões da Comissão (inverno), "apenas três países (Alemanha, Luxemburgo e Holanda) devem mais do que cumprir o seu objetivo orçamental de médio prazo". Aos outros, Portugal incluído, o BCE recomenda "um esforço apropriado" para entrarem nos eixos, para que o pacto seja "eficaz", remetendo para uma posição sua de meados de 2015 onde lembra que "um desvio significativo da rota de ajustamento face ao objetivo de médio prazo pode, eventualmente, levar à imposição de sanções financeiras aos países".

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