Governo evita ligações entre Pedrógão, Tancos e austeridade

Oposição PSD/CDS coloca António Costa no centro das críticas denunciando descoordenação, ausência e "austeridade manhosa"
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António Costa chega hoje ao seu segundo debate do Estado da Nação como primeiro-ministro no momento mais difícil da governação. O incêndio de Pedrógão, o desaparecimento de material militar em Tancos, e o "Galpgate", que lhe "vitimou" três secretários de Estado - um dos quais fulcral na preparação do Orçamento do Estado - deram fôlego à ação da oposição.

Contudo, pelo menos da parte do PSD, o argumentário central deverá ser outro: a austeridade, com o governo PS, na verdade continuou, mas agora, como ontem disse à Lusa o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, de forma "manhosa", sob a forma de investimento zero nos serviços públicos. Falta saber se o PSD dará o passo seguinte: fazer a ligação entre essa austeridade "manhosa" e as falhas do Estado em Pedrógão ou a proteger o armamento em Tancos.

À cautela, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares começou a tentar desarmadilhar esse tipo de argumentos. Numa entrevista à TSF, emitida hoje de manhã, Pedro Nuno Santos garantiu: "No caso de Tancos e de Pedrógão não temos informação - antes pelo contrário, temos informação que nos diz o contrário - de que sejam acontecimentos motivados por austeridade." E acrescentou, numa nota de tréguas com o PSD e o CDS: "austeridade presente ou passada". Consciente, no entanto, de que o discurso do investimento zero vai fazendo caminho - até porque o BE e o PCP também criticam o governo por isso - o governante acrescentou: "É uma prioridade para o PS: aumentar o investimento público nos serviços públicos." Quanto ao impacto do incêndio que vitimou 64 pessoas ou o desaparecimento de material militar em Tancos, assegurou: "Os portugueses continuam a confiar no Estado. Já conquistámos a confiança dos portugueses e não a perdemos."

Sabendo que a exigência das demissões do ministros da Defesa e da Administração Interna continuará hoje a marcar os discursos do PSD e do CDS - sobretudo destes últimos - Pedro Nuno Santos voltou a garantir que estão de pedra e cal. "Não há nenhuma intenção de [os ministros] serem demitidos." Mas fê-lo salientando que as demissões "fazem parte da vida política" e que "nenhum membro do governo tem a certeza sobre a sua durabilidade no mesmo, por definição". Agora, as demissões só podem é ser "pedidas sem se ter a certeza de que há uma responsabilidade direta por parte de um responsável político". "Daí [dos processos de averiguação em curso] poderá decorrer tudo. Neste momento não está em cima da mesa nenhuma demissão" para além das solicitadas pelos três secretários de Estado envolvidos no "Galpgate" (e eventualmente outros secretários de Estado).

Vem aí moção de censura?

À direita, a aposta para o debate de hoje parece ir para a questão das cativações - a tal "austeridade manhosa" de que falou Montenegro. Falando à Lusa, Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS, desafia o primeiro-ministro: "Que diga onde e quais os programas, quais as obras em concreto na saúde, educação, forças de segurança e Forças Armadas que, por força das cativações, deixaram de ser feitos, até para sabermos qual é o estado real da Nação". Porque, acrescenta, hoje "há dois estados da Nação": "Há o que o senhor ministro das Finanças com um truque orçamental inventou e o estado real", acusou, dizendo que ambos "estão separados por mil milhões de euros". É possível que o CDS aproveite para anunciar uma moção de censura, hipótese já confirmada por dirigentes do partido.

O alvo central de ambos os partidos será, evidentemente, o primeiro-ministro - nomeadamente por se ter ausentado de férias dias depois do incêndio de Pedrógão. "Descoordenação política", "vulnerabilidade do Estado", "ensurdecedor silêncio" - estas são as expressões que Nuno Magalhães usa. O "Galpgate" também poderá passar pelo debate - com os dois partidos a recordarem que já há um ano tinham avisado que os secretários de Estado que foram a França ver a seleção a convite e com tudo pago pela petrolífera portuguesa não tinham condições para continuarem no executivo. Mas aqui pelo menos o PSD sabe que o PS tem uma resposta "engatilhada": também houve deputados "laranja" - o atual líder parlamentar, Luís Montenegro, e o que se segue, Hugo Soares - que fizeram o mesmo, só que com convites diferentes.

À esquerda a tendência será para mais um ensaio do debate que se aproxima do Orçamento do Estado para o próximo ano. Bloquistas e comunistas acham que os números do défice público, tendo já permitido que Portugal saísse do Procedimento por Défice Excessivo, devem ser utilizados para acentuar as políticas de devolução dos rendimentos, nomeadamente por via fiscal (aumentando os escalões do IRS) ou salarial (descongelando as carreiras da função pública, por exemplo). Ao mesmo tempo, ambos dizem que o Estado tem de investir mais nos serviços públicos, repondo os níveis de qualidade que tinham antes de se iniciar a aplicação do memorando da troika e os respetivos cortes.

Remodelação em curso

Ao mesmo tempo que enfrenta o debate mais difícil da legislatura, o primeiro-ministro prepara a remodelação que o "Galpgate" tornou inevitável. Sabe-se que outros secretários de Estado sairão, para lá dos três envolvidos, mas não é claro quais serão. O calendário também não é claro - tanto se tem dito que o assunto estará encerrado antes de o Presidente da República ir para o México (dia 16, domingo) como só depois de regressar (dia 19, terça-feira).

Ontem, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, deu a entender que não substituirá João Vasconcelos na pasta da Indústria, assumindo eles próprio os pelouros.

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