A partir de amanhã, o Governo entra em gestão, depois de decretada oficialmente a demissão do primeiro-ministro, anunciada para hoje pelo Presidente da República. Até que o próximo Governo assuma funções, o atual Executivo "só pode praticar os atos que sejam estritamente necessários para assegurar os negócios públicos", explicou ao DN o constitucionalista Paulo Otero. Ainda assim, a equipa de António Costa "tanto pode praticar atos de natureza administrativa como pode praticar atos legislativos", desde que passem pelo crivo de Marcelo Rebelo de Sousa e dos tribunais..De acordo com o número 1 do artigo 186.º da Constituição, "as funções do primeiro-ministro iniciam-se com a sua posse e cessam com a sua exoneração pelo Presidente da República". De igual modo, a lei fundamental prevê que é a exoneração do primeiro-ministro que leva à cessação de funções do restante Governo. Portanto, sem qualquer lacuna política, António Costa continua a comandar os destinos do país até que um novo Governo saia das eleições legislativas, previstas para dia 10 de março..Até lá, todas as decisões tomadas pelo Executivo de Costa são pautadas "pelo princípio da necessidade", frisa o constitucionalista, mas é imprescindível que alguém controle o que é ou não considerado necessário. "Em primeiro lugar, controla o próprio Governo, já que se deve autolimitar, não agindo para além daquilo que é estritamente necessário", insiste Paulo Otero, acrescentando que este "é um conceito indeterminado" e dá "um espaço de concretização ao autor, isto é, ao Governo, ou a quem exerce controle sobre o Governo". Portanto, a partir de amanhã e até que um novo Governo assuma funções, o Presidente da República terá de controlar "os atos do Governo que são promulgados ou assinados pelo Presidente", lembra Paulo Otero. Todas as outras decisões do Governo passam pelos tribunais. "O Tribunal Constitucional, se os atos tiverem natureza normativa, isto é, se forem um regulamento, se forem uma lei. Ou, não sendo regulamentos nem leis, os tribunais administrativos", remata o constitucionalista, para quem "um tribunal pode dizer que não há necessidade que justifique o ato". E se o governo insistir numa determinada matéria, contra as outras instâncias, a batalha judicial "pode demorar anos", ainda que o Governo só esteja em funções durante mais seis meses, conclui o constitucionalista.."Se o Governo quer fazer passar um decreto-lei, o Presidente da República não promulga, porque é um ato legislativo", explica ao DN o constitucionalista Jorge Miranda. "A não ser que, de acordo com as circunstâncias, o interesse nacional exija essa medida", lembra o professor de Direito, insistindo que, "a priori não se pode dizer se isto é bem ou mal. Tem que ser verificado em face das circunstâncias e o órgão competente para isso é o Presidente da República, que é o órgão de defesa dos interesses nacionais". Neste cenário, Jorge Miranda lembra que a localização do novo aeroporto, agora que há um parecer da comissão técnica independente constituída para o efeito, "é uma decisão de tal natureza grave, não só no plano administrativo, mas também político, que um Governo de gestão não pode tomar"..Há uma semana, no penúltimo Conselho de Ministros desta legislatura, entre 22 decretos-lei, três resoluções e várias autorizações de despesa, incluindo a "aquisição de veículos de emergência médica pelo Instituto Nacional de Emergência Médica", "foi aprovado o decreto regulamentar que altera a regulamentação do regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros de território nacional", de acordo com o comunicado do Governo..Importa lembrar que o Governo liderado por Pedro Passos Coelho assinou os documentos de venda da TAP ao consórcio entre o americano David Neeleman e o português Humberto Pedrosa no dia 12 de novembro de 2015. Esta decisão não foi travada, apesar de, em 4 de outubro desse ano, o Executivo de Passos Coelho não ter visto o seu programa aprovado depois das eleições legislativas, o que o tornou num Governo de gestão..vitor.cordeiro@dn.pt