Governo deixa cair taxa contra a precariedade e prepara alternativa para o segundo semestre

Penalização das empresas que abusam dos contratos a prazo existe desde 2011, mas nunca saiu do papel. Em 2019, foi criada nova contribuição de até 2%, sempre adiada por ser de difícil aplicação. Por isso, vai ser estudado outro mecanismo.
Publicado a
Atualizado a

O governo de António Costa vai abandonar a famosa taxa de rotatividade que propôs para penalizar as empresas que abusam dos contratos a prazo ou a termo, e que foi aprovada pela Assembleia da República em 2019. Continuamente adiada, esta contribuição adicional de até 2% sobre as remunerações dos trabalhadores precários nunca viu a luz do dia por falta de regulamentação. Por ser complexa e de difícil aplicação, o executivo está agora a preparar um mecanismo alternativo que deverá ser apresentado aos parceiros sociais no segundo semestre deste ano, sabe o Dinheiro Vivo, desconhecendo-se para já os contornos do novo instrumento.

A grande dificuldade em colocar em prática a taxa reside na fórmula de cálculo do excesso de rotatividade. Segundo o artigo 55.º A, aprovado em 2019, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, às empresas "que no mesmo ano civil apresentem um peso anual de contratação a termo resolutivo superior ao respetivo indicador setorial em vigor, é aplicada uma contribuição adicional por rotatividade excessiva". Esse teto para os contratos a prazo por setor deve ser definido por portaria, o que nunca aconteceu, porque o governo verificou que era inviável aplicar a média dos vínculos a termo de um setor a todas as empresas do mesmo grupo de atividade, tendo em conta as diferentes necessidades das entidades empregadoras, consoante a dimensão e escala.

Por outro lado, a taxa a cobrar às empresas, entre 0% e 2% sobre os vencimentos dos trabalhadores precários identificados pela Segurança Social é determinada "com base na diferença entre o peso anual de contratação a termo e a média setorial, (...) sendo a escala de progressão fixada em decreto regulamentar", que também nunca existiu. Ou seja, a ideia é que quanto maior for o recurso à precariedade, acima da tal média, maior será a taxa até um limite de 2%.

Assim, "a concretização desta taxa de rotatividade está dependente da publicação de dois diplomas: de um decreto regulamentar que defina os conceitos e os procedimentos necessários à sua implementação e execução, nomeadamente no que diz respeito à escala de progressão da própria contribuição; e de um indicador setorial" sobre a média de contratos precários praticados por área de atividade e que não deve ser ultrapassada, explica ao Dinheiro Vivo a especialista em Direito do Trabalho, Madalena Caldeira, da Abreu Advogados. Esta última portaria tem de ser publicada no primeiro trimestre do ano civil a que a taxa respeita para poder ser aplicada no ano seguinte. "Isto é, no caso da taxa cobrada em 2024, o diploma teria de ter sido publicado até ao final de março de 2023", clarifica a jurista. "Seria com base nesse indicador que, no próximo ano, a Segurança Social apuraria de modo oficioso que empregadores teriam ou não de pagar, no prazo de 30 dias, a nova contribuição adicional. Significa que, "em 2023, já não vai haver qualquer pagamento, porque não houve indicador setorial em 2022 e, portanto, não é possível em 2023 apurar as entidades empregadoras" sujeitas à nova taxa, sublinha Madalena Caldeira.

A lei exclui, para efeito do cálculo do excesso de rotatividade, os contratos a termo resolutivo para substituição de trabalhador que esteja de licença de parentalidade ou de trabalhador com incapacidade temporária para o trabalho por doença por período igual ou superior a 30 dias; os contratos de trabalho de muito curta duração; e os vínculos obrigatoriamente celebrados a termo resolutivo por imposição legal ou em virtude dos condicionalismos inerentes ao tipo de trabalho ou à situação do trabalhador.

Ainda de acordo com a mesma lei, mas que irá ser substituída por outro mecanismo, a receita que o Estado iria arrecadar com esta contribuição adicional iria ajudar a pagar os subsídios de desemprego.

Mas esta não foi a primeira tentativa falhada de implementar uma taxa contra a precariedade. O segundo governo de José Sócrates introduziu, em 2011, aquando da criação do Código dos Regimes Contributivos, uma norma que já previa uma penalização semelhante no artigo 55.º da mesma lei com a designação "Adequação da taxa contributiva à modalidade de contrato de trabalho". Esse instrumento previa que "a parcela da taxa contributiva a cargo da entidade empregadora é acrescida em três pontos percentuais nos contratos de trabalho a termo resolutivo". Contudo, nunca entrou em vigor, mais uma vez por falta de regulamentação. Em 2019, o primeiro governo de António Costa acabou por revogar o artigo do anterior executivo socialista, para depois criar um outro mecanismo, mais penalizador, é certo, mas que, do mesmo modo, vai cair sem sequer ter saído do papel.

O combate aos contratos precários, que, no final do ano passado, representavam 17,2% do total dos vínculos registados, tem sido uma das bandeiras do atual governo de António Costa, suportado por uma maioria absoluta socialista no Parlamento.

Foi nesse sentido que, no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, foram aprovadas várias alterações à lei laboral como a proibição do outsourcing durante um ano após um despedimento, a presunção de laboralidade entre os trabalhadores e as plataformas digitais, a limitação dos contratos temporários a quatro renovações em vez de seis, a redução ou mesmo extinção do período experimental, atualmente de 180 dias, nos casos em que o anterior contrato a termo (estabelecido com outro empregador) tenha tido uma duração igual ou superior a 90 dias, ou a impossibilidade de os trabalhadores renunciarem a créditos salariais assim que os contratos terminam. Mas para garantir o cumprimento das novas regras, tão contestadas pelo patrões, será determinante o papel da Autoridade para as Condições do Trabalho que vai passar a ter acesso aos dados reportados pelas empresas à Segurança Social sobre contratos e remunerações.

salome.pinto@dinheirovivo.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt