"Governo de Sánchez terá muito marketing, mas pouco conteúdo"
Luis Garicano é professor da London School of Economics e foi responsável pelo programa económico do Ciudadanos. Falou ao DN por telefone, num balanço do primeiro mês de Pedro Sánchez no poder em Espanha e antecipando a sua vinda a Lisboa. Falará no painel "O Estado Social nos Tempos da Uber", no Encontro da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que decorre entre 14 e 16 de setembro no Jardim Botânico Tropical.
Já passou mais de um mês desde que Pedro Sánchez chegou à presidência do governo espanhol. Que balanço faz?
Quando as coisas começaram, parecia que ia ser um governo reformista e que queria mudar as coisas. Mas não tem sido assim. Além dos grandes anúncios, que no final não implicaram nada, as coisas concretas que fez foram nomeações, como na rádio e televisão espanhola [RTVE], que pactuou com o Podemos em vez de fazer um concurso público como tínhamos acordado [votação falhou já nesta semana no Congresso, devido a faltas de deputados e votos enganados, e o candidato renunciou ao cargo]. Ou no Centro de Investigações Sociológicas, que é a principal casa de sondagens do Estado, e para a qual nomeou uma pessoa da sua executiva, quando em princípio o cargo vai para alguém independente.
E para além das nomeações?
Eu vejo a coisa em três áreas. Na da regeneração, não houve nenhuma, como se vê pelas nomeações. No tema nacional, teve este esforço de baixar a tensão com a Catalunha. Mas, na realidade, o que vemos é que o presidente catalão continua a dizer as mesmas burradas e o PSOE interpreta como se estivesse a baixar a tensão, mas não está. E nos temas económicos e sociais, nos quais Pedro Sánchez se modelou no êxito do governo português de esquerdas, realmente não fez nada mais do que anúncios. Porque a sua coligação parlamentar tem 85 deputados em 350 e é muito débil. O governo de Sánchez é um governo que terá muitos anúncios, muito marketing, mas pouca realidade e pouco conteúdo legislativo.
Mas esse marketing está a ter influência nas sondagens, havendo algumas que já põem o PSOE à frente, superando os bons números que o Ciudadanos estava a ter...
Haverá sem dúvida alguma lua-de-mel, porque o governo de Rajoy era um governo inativo, que tinha feito um trabalho muito mau em explicar na Espanha e no mundo a posição em relação à Catalunha, e as pessoas estavam muito cansadas desse governo, que além disso tinha problemas de corrupção muito graves. É lógico que haja uma lua-de-mel.
E acredita que vai passar rapidamente?
Sim, simplesmente pelo facto de o governo não ter nenhum plano. Nem a capacidade para o executar, se tivesse algum.
Então Pedro Sánchez não vai conseguir grandes mudanças?
Não, acho que haverá anúncios todos os dias, mas serão anúncios que não têm conteúdo legislativo. Porque não dizem: hoje apresentámos uma lei, fizemos um decreto. São só planos, que a imprensa recolhe como se fossem uma coisa já feita, mas que em grande parte dos casos são castelos no ar. É essa a estratégia. É tentar criar a sensação de movimento quando, na realidade, quando fizeram a nomeação para a RTVE, foram semanas de negociações. E foi algo muito simples, porque dividiram a RTVE entre a sua coligação, entre PSOE, Podemos e separatistas.
E será possível chegar ao fim do mandato?
Acho que vai depender de como Sánchez vir as sondagens. O governo vai ser um governo muito débil e se ele vir a possibilidade de se reforçar, com eleições, vai fazê-lo. E vai usar essa ferramenta para manter o Podemos sob controlo, se eles ameaçarem não o apoiar.
A nível económico, o Ciudadanos defende grandes mudanças. Mas a vossa proposta não foi aprovada no Congresso, em junho...
A proposta de contrato único. Sim, há anos que dizemos que o mercado laboral espanhol tem um problema muito grave, de dualidade laboral, e que é necessário eliminar a contratação temporal e ir para uma contratação única, ou seja, um contrato com direitos iguais para todos os trabalhadores. Efetivamente, os outros partidos nunca estiveram de acordo connosco. Nós apresentámos uma proposta de lei, mas os outros partidos não estiveram de acordo.
Um Ciudadanos mais forte no Congresso irá voltar a propor esta ideia?
Sem dúvida. Esta é uma prioridade para nós. E se conseguirmos um mandato para governar, sem dúvida que o faremos.
O problema do contrato único, segundo os críticos, é que facilita os despedimentos e a proteção dos trabalhadores fica no mínimo...
Não, o que acontece é que subimos todas as indemnizações de todos os trabalhadores, acima da indemnização que têm os trabalhadores fixos. Não baixámos a proteção, só a melhorámos.
Mas é mais fácil o despedimento...
Introduzimos clarificações no despedimento, para evitar a judicialização excessiva, mas não diminuímos a proteção dos cidadãos.
Que outras propostas tem o Ciudadanos?
Pensamos que o mais importante para a economia espanhola é o investimento em educação. A política económica mais importante em Espanha é a política educativa. Temos um sistema educativo muito primitivo, que põe o foco na memorização, que não motiva os alunos a aprender, a inovar e a criar ou a terem eles próprios a iniciativa. Nesse sentido, acreditamos que Espanha tem de apostar numa economia do conhecimento, tem de investir em inovação, em novas tecnologias, mas sobretudo tem de investir em educação. Essa é a nossa prioridade absoluta.
Vem a Portugal, em setembro, para falar sobre "O Estado Social nos Tempos da Uber". É possível manter um Estado social?
Não só é possível, como vai fazer muito mais falta. O problema com as novas tecnologias é que estão a concentrar-se muito os benefícios. Em quase todos os setores empresariais, há menos empresas, maiores, que têm boa parte dos benefícios, e nos mercados de trabalho, também há menos trabalhadores que têm grande parte dos aumentos salariais. Tanto a nível de empresa como de trabalhadores, parece que caminhamos para um mundo de superestrelas. Há muitos que não desfrutam dos benefícios das novas tecnologias, como a robotização, a automatização e a inteligência artificial. Então, se queremos que as nossas sociedades fiquem cómodas com as mudanças, que aceitem essas mudanças e as queiram, então é muito importante encontrar mecanismos para que todos beneficiem destas mudanças.
Mas como financiá-lo?
O problema grave das novas tecnologias é que, ao mesmo tempo que se produzem estas mudanças, estão a tornar mais difícil que um país recolha os impostos que lhe correspondem. Há paraísos fiscais, incluindo dentro da União Europeia. A única possibilidade que isto mude é que haja acordos globais e acordos europeus para que as bases de cálculo estejam normalizadas e todos os países sejam iguais. Que não se possa levar o dinheiro de outro a outro e assim não pagar impostos. Este é o grande desafio da globalização. Está a desaparecer grande parte desta riqueza em paraísos fiscais.
O Ciudadanos aposta por uma Europa mais unida também em termos económicos?
Para nós, como propôs [o presidente francês, Emmanuel] Macron à [chanceler alemã, Angela] Merkel, mas que os outros países não apoiaram. Nós defendemos mais Europa, em todos os temas, orçamentais, de mercado único, mas também mais Europa fiscal. Acreditamos que tem de haver bases de cálculo comuns entre todos os países europeus. Porque senão a união de capitais torna-se um pretexto para a evasão fiscal.
Falou do exemplo português e de como Pedro Sánchez o procurava imitar. Qual é a sua opinião sobre a situação em Portugal e o que a coligação de esquerda está a fazer?
Acho que Portugal fez grandes reformas, fez um esforço muito grande com a aplicação dos resgates europeus e que o grande mérito da coligação atual foi não desfazer o que estava feito. Pedro Sánchez já disse que vai desfazer parte da reforma laboral do PP. Acho que o grande mérito de Portugal foi corrigir algumas coisas, mas basicamente, em temas orçamentais, fiscais, de défice, não desfazer o que foi feito. Nesse sentido, acho que em Portugal não é tanto uma vitória de uma visão de esquerdas, mas uma visão do realismo do mundo em que vivemos e de entender como funciona a economia e isso é uma lição para todos os governos de esquerda, que Tsipras também aplicou na Grécia. Ele chegou ao governo a dizer que ia ser a revolução, e no final está a ser um governante bastante razoável em temas económicos.