Governo de Lula aperta o cerco aos financiadores dos atos terroristas

Ministro da Justiça diz que já foram identificados latifundiários, comerciantes e colecionadores de armas do Sul e do Centro-Oeste do país. Vão responder a ações penais e pagar indemnizações. Bolsonaristas, entretanto, queixam-se das condições da prisão.
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O governo brasileiro aperta o cerco aos financiadores dos atos terroristas contra as sedes dos três poderes, em Brasília, no domingo, dia 8. Flávio Dino, ministro da Justiça e da Segurança Pública do presidente Lula da Silva, não revelou nomes mas apontou localizações e ocupações. São do Sul e do Centro-Oeste do país, as duas regiões com mais eleitores de Jair Bolsonaro, e, quase todos, latifundiários, empresários ou CAC (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores de armas), grupos tradicionalmente próximos do ex-presidente.

"Foram identificados os primeiros financiadores, aqueles que organizaram o transporte, que contrataram os autocarros, essas pessoas estão todas identificadas", disse Dino. Segundo o ministro, os próximos passos da investigação são a indemnização pelos danos, a abertura de ações penais e a busca por mais financiadores.

Num ginásio em Brasília, entretanto, já estão detidas cerca de 1200 pessoas, acusadas de responsabilidade nos atos, entre invasores e membros do acampamento de radicais em frente ao quartel-general do exército.

Por meio de vídeos, os detidos têm-se queixado das condições dadas pela polícia. Circulou uma foto de uma bolsonarista de 77 anos supostamente falecida nas últimas horas - a foto, no entanto, é de uma senhora de 80 que morreu há três meses, em Campinas, conforme informação dos familiares, indignados com a notícia falsa. A polícia também desmentiu qualquer óbito e já até retirou idosos e mulheres em gestação. Outra notícia falsa espalhada em grupo de bolsonaristas refere que os autores dos ataques eram infiltrados de esquerda.

Hamilton Mourão, ex-vice-presidente, chamou a detenção de "marxista-leninista". "A detenção indiscriminada de mais de 1200 pessoas, que hoje estão confinadas em condições precárias nas instalações da Polícia Federal em Brasília, mostra que o novo Governo, coerente com suas raízes marxistas-leninistas, age de forma amadora, desumana e ilegal".

"O Brasil e as pessoas detidas esperam ações rápidas dos nossos parlamentares em mandato e das verdadeiras entidades ligadas aos Direitos Humanos", continuou.

Em resposta, Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que "prisão não é colónia de férias". "Não achem esses terroristas, que até domingo faziam baderna e crimes e agora reclamam porque estão presos, querendo que a prisão seja uma colónia de férias, que as instituições vão fraquejar".

O juiz entretanto mandou prender Anderson Torres, secretário de segurança do Distrito Federal e ex-ministro da justiça de Bolsonaro que está de férias na Florida, tal como o ex-presidente.

Moraes falou durante a posse de Andrei Rodrigues como novo diretor-geral da Polícia Federal. Segundo Rodrigues, "a atuação da polícia será sempre pautada pelo estrito cumprimento da lei e pelos princípios do estado democrático de direito". "As investigações policiais serão coordenadas com base no tridente da qualidade da prova, autonomia investigativa e responsabilidade, com absoluto rigor em relação a desvios e funcionalismos".

Andrei Rodrigues, que é agente da polícia federal há 20 anos, atuou como chefe da equipa de segurança do candidato Lula, na última campanha, e de Dilma Rousseff, em 2010.

O presidente brasileiro, entretanto, reuniu-se ainda na segunda-feira à noite com todos os 27 governadores dos estados brasileiros no Planalto - só se ausentaram dois, um deles por estar a realizar cirurgia e o outro por estar fora do país em viagem oficial, mas, mesmo assim, fizeram-se representar pelos vices. Após a reunião em que os governadores sublinharam apoio e solidariedade aos presidentes dos três poderes, Lula disse que os financiadores dos atos terroristas não terão tréguas. "Não vamos dar trégua até descobrir quem foi o responsável, quem financiou tudo o que aconteceu neste país", afirmou Lula.

"Eu não vou encontrar culpados agora, ninguém esperava que no domingo acontecesse esse ato de vandalismo, afinal de contas, nós tínhamos tido no domingo anterior a maior festa democrática de que Brasília já teve conhecimento".

"Eu acho que a maioria da sociedade, e mesmo a maioria das pessoas que votaram no Bolsonaro, não concordam com o que aconteceu aqui, mais cedo ou mais tarde, vamos descobrir quem financiou".

"E acho também que não voltará a ocorrer algo semelhante num futuro breve, a partir do que aconteceu aqui todos nós temos a obrigação de fortalecer a democracia e isso vai acontecer", rematou.

Antes, dirigindo-se aos governadores, lamentara encontrá-los num momento como aquele. "Hoje nós estamos reunidos aqui, numa situação diferente do que imaginava, porque eu tinha proposto reunir os 27 governadores com os três mais importantes projetos de cada estado, para ver se nós trabalhávamos juntos, se arrumávamos dinheiro ou financiamento para colocar o país a andar mas quis Deus que essa reunião não acontecesse antes desta".

Já noite em São Paulo, no Rio de Janeiro e noutras cidades, manifestantes reuniram-se em protesto contra os ataques e a favor da democracia brasileira. Com gritos de "sem anistia e sem perdão, queremos Bolsonaro na prisão", milhares estiveram na Avenida Paulista, em São Paulo. O ato foi convocado pelas frentes Povo Sem Medo, Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos mas claques organizadas dos principais clubes paulistas - Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo - também participaram do protesto.

O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), aliado de Lula, mandou um recado ao governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado de Bolsonaro, em discurso no palanque: "Tarcísio, nem passe pela sua cabeça imitar o Ibaneis [governador do Distrito Federal] aqui em São Paulo, nós não vamos deixar, se golpista tentar invadir a Assembleia Estadual e a polícia fizer corpo mole, nós vamos tirar no braço".

"Nós elegemos o presidente Lula", continuou o político de esquerda, "mas não podemos abrir mão das ruas deste país, nós vamos derrotar os golpistas através da Justiça, das ações do governo, mas nós vamos derrotá-los também não deixando que eles tomem as ruas no nosso lugar. Agora é lutar, tomar as ruas para que a gente garanta que não tenha amnistia".

As reações internacionais aos eventos de domingo, entretanto, continuaram. "Israel condena os violentos distúrbios e apoia as instituições democráticas brasileiras e o Estado de Direito", diz nota publicada pelo perfil oficial de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita. Netanyahu é considerado, por Bolsonaro, seu aliado.

Barack Obama, antigo presidente dos EUA, afirmou que "juntos, devemos rejeitar qualquer esforço para derrubar ou perturbar a vontade do povo brasileiro".

O senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho de Jair Bolsonaro, afirma que o pai não manobrou os manifestantes que invadiram as sedes dos três poderes da República brasileira no domingo. Segundo o político, "ele está praticamente incomunicável".

"Bolsonaro está praticamente incomunicável e não trocou mensagens nem conversou com ninguém sobre isso", disse ao site Metrópoles. "Ele está nos Estados Unidos e não articulou nem teve qualquer participação, aliás, esse perfil de quebra tudo não é dos manifestantes que estavam acampados em Brasília, é de pessoas de fora", prosseguiu.

Comenta-se nos corredores de Brasília e mesmo entre filiados no partido de Bolsonaro, o PL, que os atos de vandalismo podem precipitar medidas mais drásticas do Poder Judicial contra o ex-presidente brasileiro, que enfrenta um pedido de prisão preventiva, acionado pelo PSOL, partido de esquerda, e nove crimes relacionados com a condução da pandemia, relatadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito da CPI, de 2021.

Hospitalizado na segunda-feira em Orlando, cidade na Florida para onde voou na véspera da posse de Lula, Bolsonaro melhorou e deve receber alta nos próximos dias, de acordo com a imprensa brasileira. Aliados do antigo presidente adiantam ainda que ele deve voltar ao país depois do fim deste mês.

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