Presente na conferência "Fortalecer a Democracia na Europa", iniciativa do Instituto Jacques Delors e da Fundação Gulbenkian, que ontem decorreu em Lisboa, o deputado do La République en Marche, partido do presidente Emmanuel Macron, falou ao DN sobre as repercussões das eleições italianas e da luz verde do SPD alemão ao governo de coligação com a chanceler Angela Merkel..Os resultados das legislativas italianas mostram a vitória clara das correntes críticas do projeto europeu. Más notícias para a União Europeia (UE)?.Sim. A Europa necessita de uma Itália estável, pró-europeia e com estes resultados está-se perante uma clara tendência de direita, mesmo de extrema-direita. E com o sucesso da Liga, o seu dirigente, Matteo Salvini, pode mesmo reivindicar o cargo de primeiro-ministro. A concretizar-se um governo liderado pela Liga, isso seria um risco para a Europa....E há ainda o voto no 5 Estrelas....O 5 Estrelas é uma questão diferente: foi criado em reação ao sistema político, tem uma origem distinta da Liga e integra correntes diferentes entre si, divergentes mesmo. Há uma tendência populista e há tendências reformistas. É menos homogéneo do que a Liga... e o seu discurso tem evoluído..Durante a campanha alteraram o seu discurso. Defendiam um referendo sobre o euro e deixaram de o fazer....É um movimento em mudança. O que resulta paradoxal perante o resultado das eleições em Itália é que, no momento em que se chega, finalmente, a uma solução estável de governo na Alemanha, a Itália entra num período, presumivelmente, de grande incerteza. Isto faz-nos pensar que na Europa, hoje, as situações de crispação e de incerteza são cada vez mais numerosas. O que, creio, se deve ao modo como as instituições europeias responderam aos desafios destes últimos anos. Deve refletir-se nisso. Por exemplo, em França foi um movimento pró-europeu e reformista [La République en Marche] que chegou ao poder, mas noutros países verificou-se a vitória de partidos contrários à ideia da Europa. E isto porque a UE, para muitos, se mostrou incapaz de atuar de forma eficaz sobre as situações que foram sucedendo. Isto acentuou o fosso entre as instituições e os europeus. Situação a que é preciso dar resposta rápida, com um novo projeto político..Os resultados em Itália como, de outro modo, em França parecem indiciar uma séria crise dos partidos tradicionais, à esquerda e à direita, e talvez o fim do bipartidarismo vigente em muitos países, com a afirmação de novos projetos políticos. Este fenómeno vai ter consequências no futuro?.É preciso ter presente que os partidos de centro-direita e de centro-esquerda na Europa, na maioria dos casos, constituíram-se após a II Guerra Mundial para responder às questões desse período. Desde então, mostraram-se incapazes de mudar, de se reinventarem....A partir de que momento?.Desde o início do século XXI. Houve partidos capazes de fazerem o seu aggiornamento, outros não. Em França, o Partido Socialista e Os Republicanos desapareceram ou estão em vias disso porque deixaram de partilhar o que quer que seja, deixaram de ter uma mesma visão do mundo naquilo que pode ser comum à direita e à esquerda. Por isso, surgiram novas forças políticas....Os socialistas estão pulverizados, Os Republicanos subsistem..Os Republicanos estão também pulverizados e em vias de desaparecer. Os Republicanos tornaram-se um partido conservador, imobilista, protecionista, populista, próximo da extrema-direita. Deixaram de ter qualquer projeto sobre a Europa, qualquer linha política sobre o projeto europeu. Um exemplo: há duas semanas, na Assembleia Nacional francesa, houve uma votação sobre o acordo de livre comércio UE-Canadá e todos os grupos políticos tinham uma posição de voto estabelecida, a favor ou contra, exceto Os Republicanos. Foram o único grupo parlamentar a dar liberdade de voto aos seus deputados. Alguns votaram ao lado da extrema-esquerda e outros votaram connosco. Isto é prova de que, também eles, estão extremamente divididos e vão ter muita dificuldade em afirmarem-se no debate europeu, tanto mais que começam a parecer-se muito com Marine Le Pen na matéria..Ainda sobre a crise dos partidos, pode referir dois ou três casos?.Há uma sucessão de casos. A começar pelo não da França e da Holanda ao projeto de Constituição europeia, em 2005, a que se seguiu a crise económica e financeira, a crise do euro e a crise da dívida, da Grécia e de outros países da Europa do Sul, como Portugal, as guerras na Líbia e Síria, a guerra na Ucrânia, a crise dos refugiados, o terrorismo, o aumento do fosso entre as instituições da UE e os cidadãos e, por fim, o brexit. Temos uma sucessão de crises ao longo de 15 anos, sem respostas adequadas..Como vê a situação presente?.Após o brexit e as eleições em França, verificou-se uma espécie de sobressalto pró-europeu em certos países. Diria que, pelo menos, para uma parte dos europeus, é necessário um projeto europeu mas não o desta Europa. Desejam a renovação e a refundação do projeto europeu, uma UE que responda ao desafio das migrações, do terrorismo, que seja mais solidária e capaz de proteger os empregos e a iniciativa empresarial. Se formos capaz de levar adiante essa refundação, entre 2018 e 2024, há a possibilidade de levarmos a UE na boa direção..Os resultados em Itália e em França, a afirmação do Ciudadanos em Espanha sugerem que estamos perante a crise definitiva dos partidos clássicos?.Os partidos tradicionais de esquerda, ou de centro-esquerda se quiser, e de direita foram construídos para responder a desafios do passado. Como disse, está a assistir-se ao aparecimento de movimentos novos e é necessário ter em consideração que tudo hoje sucede a grande velocidade. Penso que a clivagem deixou de ser entre esquerda e direita e passou a ser entre conservadores, ou imobilistas, e progressistas ou reformistas....Conservadores como sinónimo de direita?.Não. Há conservadores à esquerda: aqueles que nada querem mudar. É possível haver políticos de direita progressistas. O mesmo se aplica à esquerda..Na Alemanha, a luz verde do SPD ao acordo de governo com a chanceler Merkel é uma boa notícia para as intenções de Emmanuel Macron e da sua ambição de refundar a Europa?.Estava-se numa situação paradoxal. Durante uma década, a Alemanha teve condições para promover reformas, defender um projeto ao mesmo tempo que tinha de esperar pelas reformas em França e uma real parceria com Paris no plano europeu. Ora, com a vitória de Macron e do La République en Marche, a França recuperou o seu lugar na Europa ao mesmo tempo que a Alemanha entrava num período de incerteza. Agora, com a Alemanha a ter uma coligação estável e com um governo estável em França, é possível relançar o projeto europeu. Acredito no motor franco-alemão sem deixar de ter uma visão mais ampla da dinâmica europeia e creio indispensável conseguir-se agregar outros países ao processo..Numa conjuntura marcada pelo brexit, pelo desafio dos soberanistas e eurocéticos, pelo alargamento da UE aos Balcãs, quais devem ser as prioridades para as europeias de 2019?.O mandato do Parlamento Europeu que finda em 2019 foi marcado pelo brexit, fenómeno excecional na história europeia e ao qual não se tem dado a devida resposta política. Discute-se o brexit como uma questão técnica, como se fosse algo semelhante às quotas de pesca. Por isso, o mandato 2019-2024 deve concentrar-se em respostas políticas e a relançar o projeto europeu..De que forma?.Exemplos concretos: a reforma da zona euro, que se tem mostrado disfuncional, a garantia de segurança para os europeus perante a ameaça terrorista, o fim da situação que se vive no Mediterrâneo, com as mortes dos migrantes, que é uma vergonha total para a Europa - e quero frisar este aspeto e lembrar que os europeus deixaram os italianos sós nesta questão. Viu-se agora o que produziu: o voto maioritário dos italianos pela extrema-direita e pelos movimentos populistas anti-imigração. Os Acordos de Dublin devem ser revistos, tal como estão são um exemplo de egoísmo nacional, que deixa a Itália e a Grécia por si sós. É preciso uma resposta europeia à questão migratória. Outra questão: uma melhor partilha de informações para prevenir atos terroristas. E, obviamente, a vertente da defesa europeia. A Europa tem-se mostrado incapaz de atuar fora das suas fronteiras nesta área. É nestas matérias que é preciso mostrar que a Europa é capaz de iniciativa e de se reformar nos aspetos necessários, ou continuará a parecer tecnocrática e distante..Num artigo recente criticou a constituição das listas para as eleições europeias, descrevendo claros "erros de casting" com a "escolha" de vencidos noutras eleições e de "velhas glórias". Uma mudança de atitude é também aqui uma prioridade?.São várias as questões: os partidos tradicionais de esquerda e direita desistiram da Europa, deixaram de falar da Europa, abrindo caminho aos populistas e aos extremistas. Em França, desde 2005, não há praticamente debate sobre a Europa, isto ao centro; é nos extremos que se fala da Europa. Quem defende a Europa, é que deve relançar o debate e colocá-lo no plano adequado. Por isso, o presidente Macron propôs as consultas aos cidadãos em todos os países da UE. Os cidadãos europeus devem expor aquilo que são as suas preocupações, como vêm e o que esperam da Europa. Não deve haver ilusões: o futuro de cada país passa pela Europa. Pensar que, por exemplo, a França vale por si só no século XXI é uma quimera. Quanto às listas, pelo menos em França, o Parlamento Europeu tem sido considerado uma espécie de segunda divisão política nacional, o que é um erro profundo, e contribui para o desinteresse dos cidadãos. Que balanço faz do modo como se pensa a política de Defesa europeia e até onde se pode ou deve ir, atendendo à quase total justaposição entre membros da UE e da NATO? Durante muito tempo na UE fomos ingénuos em matéria de Defesa. Com o final da Guerra Fria e a integração dos países da Europa Central e Oriental, muitos na Europa e nas instituições em Bruxelas pensaram que tinham terminado os conflitos na Europa e à sua volta. Um documento de 2004, estabelecia como objectivo da UE o rodear-se de amigos no espaço de 15 anos. Passados esses 15 anos, não foi isso que sucedeu. A UE não está rodeada de um círculo de amigos mas de um círculo de fogo. Os europeus estão a compreender desde há alguns anos ser do seu interesse tomar nas suas mãos as questões de Defesa. Percebeu-se que aquilo que sucede na Síria ou em África tem impacto na Europa. Houve esta tomada de consciência favorecida, é preciso dizê-lo, por Jean-Claude Juncker, que compreendeu o que estava em causa, e permitiu avançar com a cooperação nesta matéria.