Governo "avança já" com alívio fiscal às empresas para compensar aumentos salariais

Siza Vieira pediu às empresas aumentos salariais fortes, mas também prometeu acesso mais rápido e fácil a fundos europeus, por exemplo.
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As empresas do setor privado devem apostar em "aumentos anuais dos salários nominais" de 2,7% já em 2020, 2,9% em 2021 e 2022, e de 3,2% em 2023, defendeu nesta quarta-feira o governo, na concertação social, na sua proposta para um acordo sobre rendimentos e competitividade. Alguns patrões torceram o nariz, disseram não estar disponíveis para seguir "referenciais fixos", muito menos ao nível dos salários. Mas o executivo tinha um género de adoçante já preparado. O ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, prometeu uma primeira compensação que deverá vir já no novo Orçamento do Estado para 2020: o aumento da dedução para os lucros retidos e reinvestidos.

Segundo o governante, a medida "tem condições de avançar desde já", "é muito importante para reforçar o autofinanciamento das empresas", sobretudo as que têm menos capacidade de se financiar no mercado de capitais, as PME, basicamente. A medida em causa, que faz parte do programa do governo, visa "melhorar o regime do IRC para as empresas que reinvistam os seus lucros através de um aumento em 20% do limite máximo de lucros que podem ser objeto de reinvestimento (de 10 milhões para 12 milhões de euros), assim aumentando a dedução à coleta de IRC para estas empresas".

Mas há mais medidas fiscais e outras relacionadas com fundos europeus que também podem ver a luz do dia a breve trecho. "O governo está disponível para discutir outras medidas fiscais" a favor das empresas. "Muitas das medidas que podem, do ponto de vista da fiscalidade, favorecer o crescimento da produtividade devem começar a ser executadas tão cedo quanto possível", frisou o ministro em declarações aos jornalistas. No dia 9 de dezembro, governo, patrões e sindicatos voltam à mesa da concertação social para discutir isto e outros assuntos.

Por exemplo, na mesma proposta de acordo, o executivo promete mexer "nos regimes fiscais específicos para as PME, nas tributações autónomas, no IVA, no sistema de incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento empresarial, no imposto do selo e reforçar as medidas de apoio à criação de emprego e empresas e fixação de pessoas no Interior".

Siza Vieira também defendeu medidas para que as empresas tenham acesso mais rápido e fácil a fundos europeus, uma "simplificação do acesso aos fundos comunitários e dos mecanismos de prestação de contas" e até a "criação de instrumentos intercalares de apoio que garantam uma transição suave entre o Portugal 2020 e o novo quadro financeiro plurianual [QFP 2030]".

Aos empresários, o governo promete ainda uma maior "simplificação burocrática e legislativa", agilizar licenciamentos e aliviar "custos energéticos e ambientais". A descida do IVA sobre a energia e a eletricidade é há muito uma das maiores exigências das empresas.

O executivo reiterou ainda no documento que pretende "reavaliar regras do Fundo de Compensação do Trabalho (FCT)", mas não disse como. As empresas, por exemplo, gostavam de reduzir ou mesmo suspender temporariamente as contribuições que fazem para este fundo (que se destina a pagar compensações por despedimento aos trabalhadores) ou usar os mais de 300 milhões de euros que lá estão para outras coisas.

Há duas semanas, António Saraiva, presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, também adiantou que quer "revisitar o fundo de compensação do trabalho" [o fundo que serve para ajudar a pagar indemnizações por despedimento ou em casos de falências e reestruturações], hoje com cerca de 340 milhões de euros.

"Revisitar" para eventualmente para suavizar as contribuições das empresas para esse fundo, fez já saber o líder da CIP. Ou até para financiar atualizações salariais. A UGT, que foi a única central sindical a concordar com este fundo instalado em 2012, rejeita mexidas nas contribuições das empresas.

Salários melhores para convergir com a Europa

Mas todas estas moedas de troca visam equilibrar o acordo. Na quarta-feira, o governo defendeu que os salários do privado devem "crescer acima da soma de inflação e produtividade" e que a chave para isto é "criar condições para que a produtividade cresça muito mais do que tem crescido nos últimos anos". Assim, o objetivo é chegar a "um aumento da massa salarial que permita reduzir o diferencial do peso dos salários no PIB [produto interno bruto] e assim acelerar o processo de convergência com a média da União Europeia".

"É necessário promover não só um aumento do salário mínimo nacional, mas também um aumento substancial dos salários médios e medianos dos trabalhadores", defenderam os ministros perante os parceiros sociais (representantes sindicais e patronais).

Na parte dos chamados "rendimentos não salariais", o executivo repete o que vem no programa de governo. Quer "incentivar o aumento do rendimento disponível das famílias através da fiscalidade", "aumentar as deduções fiscais no IRS em função do número de filhos", "combater as excessivas desigualdades salariais, com estímulos à melhoria dos leques salariais de cada empresa".

Jovens qualificados mais beneficiados

O governo compromete-se ainda com a "valorização dos jovens qualificados", criando "referenciais para atualização de salários convencionais diferenciados para trabalhadores qualificados e/ou categorias profissionais mais qualificadas". Diz ainda que é necessário "aumentar a diferenciação das bolsas de estágio IEFP dos níveis mais elevados de qualificação como sinal para o mercado", "garantir que a bolsa de estágio profissional IEFP não é inferior às bolsas FCT, em particular para doutorados".

O acordo pretende ainda "rever a remuneração dos estagiários qualificados" e "incentivar o trabalho dos jovens qualificados através de política fiscal".

Relativamente às metas de aumentos salariais propostas pelo governo, António Saraiva, da CIP, disse logo não estar disponível para referenciais fixos. Isso é matéria para a contratação coletiva, cada caso é um caso. Já João Vieira Lopes, líder da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, considerou que a proposta do governo "é via positiva", tem em conta indicadores económicos para definição de aumentos salariais. No entanto, o caminho deve ser avaliado ano a ano. Para Carlos Silva, secretário-geral da UGT, os números apresentados pelo governo para a valorização salarial são "um bom indicador". Arménio Carlos, líder da CGTP, diz que o referencial do governo para os salários "é curtinho e insuficiente", lembrando que o salário mínimo nacional vai subir 5,8% para 635 euros brutos em 2020. A CGTP queria um salário mínimo nacional de 690 euros a 1 de janeiro do ano que vem.

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