Governador pediu ajuda a Durão Barroso para salvar Banif

Carlos Costa enviou e-mail ao ex-presidente da Comissão Europeia a criticar plano de reestruturação proposto por Bruxelas
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É uma história que nos transporta para o final de 2012 e para os dias agitados antes da capitalização pública do Banif. Com a Direção-Geral da Concorrência (DG Comp) a revelar-se absolutamente intransigente na imposição, em paralelo, de um plano de reestruturação ao banco fundado por Horácio Roque, o governador do Banco de Portugal (BdP) desdobrou-se em contactos. Carlos Costa, em desespero de causa, até a Durão Barroso enviou um e-mail dizendo que a posição da DG Comp (departamento da Comissão Europeia que tem como função garantir uma sã concorrência no espaço comunitário) ameaçava inclusivamente "o sucesso do programa de ajustamento português".

No e-mail, a que o DN teve acesso, Costa justificava o recurso ao então presidente da Comissão Europeia com a "urgência e a gravidade da questão" e anexou outra mensagem de correio eletrónico, essa remetida para António Cabral, conselheiro económico de Durão em Bruxelas, no qual vincava que "infelizmente" não foi capaz de "dissuadir a DG Comp no que concerne ao nível de downsizing [redução em 60% da dimensão do banco] e limitação geográfica [da atividade do banco]". A ideia de Bruxelas era cingir os negócios do Banif aos Açores, à Madeira e às comunidades emigrantes.

"Em acréscimo do que já comuniquei ao Dr. António Cabral, permita-me que sublinhe a gravidade das posições da DG Concorrência tanto do ponto de vista do sistema financeiro português como do sucesso do programa de ajustamento", escrevia Carlos Costa a 10 de janeiro de 2013, duas semanas antes do anúncio do Ministério das Finanças de que estava concluída a injeção de capital público (1100 milhões de euros) naquele banco. E, para reforçar a sua oposição ao plano da DG Comp, acrescentava o supervisor da banca: "Tratar-se-ia de assumir um enorme risco que, na minha qualidade de governador e de cidadão português, não posso aceitar."

Ora, no e-mail que reencaminhava a Durão, que tinha António Cabral como destinatário original, o governador realçava que a DG Comp estava a solicitar "um compromisso por parte do Ministério das Finanças", à data tutelado por Vítor Gaspar, até ao final desse mesmo dia em que aceitasse os objetivos fixados no modelo de reestruturação que advogava.

Costa, por seu lado, notava que tais medidas - as quais implicavam a revisão do plano de capitalização, uma discussão prévia com a administração do Banif, uma nova opinião do próprio BdP e a uma assembleia geral do banco para aprovar o plano - colidiam com o próprio calendário europeu. Neste caso o de Frankfurt, uma vez que a manutenção do estatuto de contraparte (que estabelece quais são os bancos elegíveis para aceder às operações de política monetária do Banco Central Europeu (BCE), em particular os empréstimos de liquidez) dependia da conclusão do plano de recapitalização, prevista para a última semana desse mês.

Para já ainda não é conhecida - pelo menos não chegou à comissão de inquérito (CPI), na qual foi ouvido ontem Carlos Costa (ver página ao lado) - a resposta que Durão Barroso terá dado ao governador do BdP. O DN tentou obter um esclarecimento por parte do antigo primeiro-ministro sobre as respostas que terá enviado para Lisboa e ainda sobre quais as diligências que terá ou não feito em Bruxelas, mas tal não foi possível até à hora de fecho desta edição.

Braço-de-ferro em Bruxelas

O acervo de e-mails que Carlos Costa enviou e recebeu e que chegou à CPI não se esgota aí. E indiciam que já aí o supervisor tinha sérias reservas sobre a viabilidade do Banif. Ainda antes, a 20 de dezembro de 2012, o governador do BdP dirigia uma mensagem ao presidente do BCE, Mario Draghi (com conhecimento de Vítor Gaspar), na qual notava que durante a sexta avaliação à aplicação do programa de assistência económica e financeira o plano de recapitalização do Banif tinha merecido luz verde dos representantes da troika em Portugal. Sem redução da atividade do banco (que implicaria a diminuição de balcões e despedimentos).

"Os representantes da Comissão Europeia sempre participaram nas discussões, em particular a DG Comp, e a solução foi ajustada no sentido de acomodar as preocupações das várias partes", explicava, para depois apontar o dedo às "profundas alterações" de que o organismo chefiado por Johannes Laitenberger fazia depender a viabilização do processo.

Em todo o caso, Draghi não era o único interlocutor de Carlos Costa no BCE. Jörg Asmussen, membro do conselho executivo, enviava um e-mail - e foram vários - ao supervisor da banca em Portugal em que confessava "não ter sido capaz" de "fazer progressos" nas suas movimentações em Bruxelas com o intuito de ir ao encontro das pretensões do governador.

No entanto, dava conta de um "problema interno" na Comissão Europeia. Dito de outra forma, de uma divergência entre a DG Comp e a Direção-Geral para os Assuntos Económicos e Financeiros. E que, em parte, ajuda a explicar aquilo que já é história: os oito chumbos aos planos de reestruturação do Banif. De caminho, Asmussen ainda revelava ter almoçado com Vítor Gaspar e outro membro do BCE, Benoît Couré, no qual o dossiê Banif foi discutido.

Na resposta, o governador repetiu o guião que já tinha feito seguir para Bruxelas e Frankfurt: voltou a chamar a atenção para os riscos que o colapso do Banif comportava. E adensava o fantasma: "O risco vai além de Portugal. O falhanço do programa português será um desastre para a zona euro."

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