Governador foi contra e a favor da resolução em apenas oito dias
Quando se sentar hoje na sala 6 do Parlamento, onde vai ser ouvido no âmbito da comissão de inquérito ao Banif, o governador do Banco de Portugal (BdP) estará ciente de que vai ter uma tarde intensa e uma mão-cheia de dúvidas por dissipar. Mas há uma, que surgiu nos últimos dias, que inquieta particularmente os deputados: como é que, numa semana, Carlos Costa deixou de defender uma segunda injeção de capitais públicos no banco para regressar à sua posição original, a de que a aplicação de uma medida de resolução seria a melhor alternativa?
A aparente contradição está documentada em cartas enviadas, a 4 e 12 de dezembro do ano passado, pelo supervisor ao ministro das Finanças, mas não deixa de ser uma incógnita para as diversas forças com assento parlamentar. "O BdP entende que a solução que melhor permite lidar com a situação de crise financeira grave que o Banif enfrenta (...) é a realização de uma operação de capitalização obrigatória com recurso ao investimento público", escrevia Costa a Mário Centeno, dando cinco dias ao governante para lhe transmitir qual era o entendimento das Finanças perante uma proposta que também já tinha formulado a Maria Luís Albuquerque. E afastava assim a solução que em 2013 considerava ser necessária para manter o banco fundado por Horácio Roque à tona, a resolução.
Com a Comissão Europeia a opor-se a nova recapitalização pública (a primeira, no valor de 1100 milhões de euros, ocorreu em 2013), o governador virou-se para o plano B, que em tempos fora o A: a resolução. Ora, se o mecanismo único de supervisão tornou inviável a resolução e venda a dois tempos - uma vez que uma entidade de transição não teria direito a licença bancária -, como o próprio Carlos Costa notou mais tarde, uma semana bastou para que houvesse o tal volte-face, com o governador a referir numa nova missiva, com a data de 12 de dezembro, que "a aplicação de uma medida de resolução com venda simultânea" seria a medida "menos gravosa".
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Mesmo com amparo dos ditames de Bruxelas e Frankfurt, Costa estará sob fogo dos deputados. Até porque a "tempestade perfeita" não termina aí. E tão-pouco começa nessa altura. Da esquerda à direita, todos querem saber se a injeção de dinheiro público era a melhor alternativa que o governador tinha nas mãos em 2012. Sobretudo por já ter sido noticiado que o então titular da pasta das Finanças, Vítor Gaspar, torceu o nariz àquela fórmula e indicava o caminho da resolução - cujo fundo foi criado por si nesse ano.
Com a situação do Banif em paulatina degradação - e os rácios de capital, como se sabia, perto do limite mínimo -, os parlamentares pretendem apurar o que fez o governador durante 2015 e como lidou com as pressões da Direção-Geral da Concorrência e do Banco Central. Já em dezembro, o BdP força a administração do Banif a provisionar um conjunto de créditos, o que ainda deteriorou mais esses rácios.
A tudo isso juntou-se a controversa notícia da TVI (de que o banco iria ser objeto de resolução), que provocou uma fuga de depósitos na ordem dos mil milhões de euros. E os deputados querem esclarecer quando e de que forma entrou o Santander Totta, que viria a comprar o Banif por 150 milhões de euros, em cena. E ainda se, de alguma forma, o banco espanhol teve contactos prévios com o BdP ou beneficiou de informação privilegiada ao longo do processo.
Seja como for, ninguém isenta o poder político de culpas, apesar de ser expectável que o PSD se vire essencialmente para os fatais dias de dezembro (protegendo Maria Luís Albuquerque e atacando Mário Centeno), ao passo que o PS se deverá debruçar mais sobre a forma como o colapso do Banif foi arrastado durante o mandato do anterior governo PSD-CDS (visando a ex-ministra das Finanças e escudando o seu sucessor).
Maria Luís Albuquerque vai ser ouvida amanhã, enquanto Mário Centeno contará a sua versão dos acontecimentos na quinta-feira.